Por Charles Dias
O tema que ultimamente tem dividido as opiniões é a decisão, discriminatória, segundo o entendimento de alguns, do Tribunal de Justiça do Maranhão de impedir a inscrição de portadores de deficiência visual no concurso para provimento de cargo de juiz que será realizado no estado.
Diante de tal discussão a pergunta que se faz é: a atividade de juiz é incompatível com o portador de deficiências visuais?
Segundo o nosso modesto entendimento, em um mundo absolutamente tecnificado, onde se dispõe de softwares de auxílio aos portadores de deficiências visuais e auditivas, escrita em linguagem braile e, tantos outros recursos, nos parece um equívoco, admitir-se que um deficiente visual não possa ser juiz.
Aqueles que entendem que o cego não pode ser juiz, dentre seus argumentos afirmam que o juiz ao tomar os depoimentos precisa ter a visão do comportamento daquele que depõe das suas reações e atitudes para que possa formar seu convencimento e, para isso, o juiz deve ter “visão apurada”.
Ora, se admitirmos esse entendimento, teríamos que admitir também que os julgamentos realizados pelos desembargadores dos Tribunais de Justiça deste país, e pelos ministros dos Tribunais Superiores estariam todos prejudicados, pois os mesmo julgam, todos os dias, processos das mais diversas matérias, sem ter qualquer contato com as partes ou testemunhas e, ressalte-se julgam em segundo grau de jurisdição, ou seja, para confirmar o acerto ou corrigir o erro do juiz que teve contato com as partes.
Teríamos ainda de admitir que, se por alguma fatalidade algum desembargador ou ministro acometido de um mal súbito, como o glaucoma, por exemplo, viesse a ficar cego, teria que ser imediatamente aposentado compulsoriamente.
Contudo, o exemplo dignificante de superação, trazido por Ricardo Tadeu Marques Fonseca, único procurador cego do país, que há 15 anos, mesmo tendo sido rejeitado pela magistratura, em uma atitude preconceituosa e discriminatória como a que hora se apresenta, não desistiu, fez concurso para procurador do Trabalho, foi aprovado e presta um relevante serviço à sociedade.
Não seria despiciendo trazer a lume, o fato de que a legislação brasileira é farta em normas e princípios que vedam expressamente qualquer forma de discriminação, seja por questões étnicas, religiosas, sociais ou por deficiência física, conforme transcrito abaixo:
Constituição Federal
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLI — a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXI — proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.
Art. 37º A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I — os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei.
Também o Conselho Nacional da Justiça, em recente decisão prolatada a pouco mais de duas semanas, determina que os Tribunais de Justiça, em seus concursos para o provimento de cargo de juiz, reserve de 5% a 20% das vagas para as pessoas portadoras de deficiência física.
O juiz, em verdade, não pode ser “cego”, “cego à justiça”, “cego à ética”, “cego ao direito”, “cego às suas responsabilidades com os seus jurisdicionados”, não se admitindo, portanto, juízes desonestos, descomprometidos com a sua comarca, como os “TQQs”, e outros, contudo, esse tipo de cegueira, lamentavelmente não pode ser detectada e barrada em concursos públicos.
Fato de curial importância e, que não pode ser olvidado, é que o poder público não pode, justo ele que deveria dar o exemplo e, sobretudo, o TJ, instância maior no Estado responsável pela aplicação das leis, praticar tamanha ilegalidade.
Discriminação é crime inafiançável, além de ser um péssimo exemplo para a sociedade e uma vergonha nacional.
A sociedade civil deve se organizar e pugnar para que o TJ revise o seu posicionamento, suspenda o concurso público e reabra as inscrições, para permitir que aqueles que possuam alguma deficiência visual possam concorrer.
Oportuno é lembrar que a musa maior do Direito, a deusa Themis, é cega.
A OAB-MA, por seu Conselho Seccional e a sua Comissão de Direitos Difusos e Coletivos, impetrou um Mandado de Segurança, com pedido de liminar, o qual deverá ser apreciado pelo Pleno do TJ, oportunidade na qual deverá ser retida a reprovável discriminação e, permitida, a exemplo de outros Tribunais de Justiça, como o de Roraima, seja permitida a participação de todos no concurso.
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CHARLES DIAS é presidente da Comissão de Direitos Difusos e Coletivos da OAB-MA.
Artigo disponível no Consultor Jurídico
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