domingo, 6 de abril de 2008

Na base do látego



Não gosto muito do lugar-comum, principalmente do tipo: isso vai dar em pizza. E acho, infelizmente, que é para onde caminha essa comissão parlamentar que foi instalada no Congresso Nacional para apurar o uso e abuso do nosso dinheirinho, por parte de milhares de privilegiados funcionários públicos. Esses cidadãos trazem nos bolsos cartões que lhes dão, em conjunto, um ilimitado poder de gasto. Para se ter uma idéia, só no ano passado foram quase 180 milhões de reais, boa parte disso foi sacada na boca do caixa.
Parecia uma questão que transcendia às diversas agremiações partidárias e se constituía em uma das poucas vezes em que o governo e oposição poderiam se unir em torno do interesse nacional. Parecia. A comissão parlamentar perdeu seu foco maior e anda com a idéia fixa há duas semanas apenas pelos gastos feitos pelos presidentes da República, pelas primeiras-damas e pelos vice-presidentes.
Mas não passa disso. Essa é uma meta paralisante para a CPI. Todos sabemos que os gastos dos presidentes precisam ser protegidos, sim, por sigilo. Os presidentes têm direito, sim, a bebidas de qualidade à mesa. Eles são constitucionalmente os primeiros mandatários da Nação, que representam no cenário mundial, têm encargos pesados, missões complexas e são obrigados a seguir protocolos enfadonhos dia após dia enquanto durem seus mandatos. Esses gastos mesmo protegidos por sigilo não significa que eles estejam livres de qualquer escrutínio. De qualquer maneira, deveriam sempre estar à disposição de um seleto comitê do Senado apenas para efeito de controle, e não para divulgação.
Agora, no episódio do dossiê FHC, embora fosse voz corrente a existência de um "banco de dados" - segundo a Big Mother, e ela deve várias explicações. Uma delas: por que em 20 de fevereiro passado disse a 30 industriais paulistas que o governo levanta informações sobre gastos com cartões corporativos na Era FHC? Outra: por que atribuiu ao Tribunal de Contas da União a paternidade do levantamento? O tribunal negou. Sobre os gastos do governo anterior, vários ministros dissessem abertamente que o Planalto tinha munição para o contra-ataque. O PSDB simplesmente arrumava as malas para desembarcar da CPI dos Cartões.
Não lhe ocorreu investigar e denunciar o dossiê nem se incomodou de ver Fernando Henrique, exposto em notinhas aqui e ali como autor de gastos indevidos na Presidência. Quando A revista Veja publicou a história do Dossiê, indignou-se. A indolência é o padrão. Quem ousa pôr alguns pingos nos is é apontado como radical ou desviante funcional. É o exemplo do presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, Marco Aurélio Mello, convidado a "meter o nariz" em outras bandas por registrar o potencial de ilegalidade em atos presidenciais.
Agora, que parece que estamos em uma terra de cego, parece. De um lado, tome-se a submissão de resultados dos partidos aliados; de outro, observe-se a oposição sem conseqüência dos adversários; junte-se a isso a omissão de gente outrora representativa da sociedade e fica fácil compreender porque Nosso Guia trata a tudo e a todos com suprema arrogância.
Nosso Guia interpreta a lei à luz de sua conveniência, altera os fatos conforme seu interesse, ataca aos desaforos todo e qualquer contraditório, substitui o debate pela agressão verbal, enerva-se se os poderes Legislativo e Judiciário e a Imprensa não se comportam como linhas auxiliares de seus projetos e só convive bem com a obediência e a reverência. As vozes que poderiam se alevantar e fazer autorizadas para materializar um contraponto ao Nosso Guia optaram pelo silêncio. Principalmente, por setores formadores de opinião, como as universidades e o mundo da cultura, abriram mão do exercício da crítica - por amor a verbas federais, preguiça ou intimidação ideológica.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

2 comentários:

Jeso Carneiro disse...

A CPI dos Cartões Coorporativos é pura fumaça. Revela a incapacidade da oposição de elaborar um discurso consistente e sério contra o governo Lula. Por outro lado, escancara o temor do PT para com a transparência dos gastos públicos.

Poster disse...

Grande Jeso,
É isso mesmo. As CPIs sempre o revelam o melhor e o pior da política braileiro. Mais o pior do que o melhor. Esta não tem sido diferente.
E em Santarém, muita água?
Abs.