domingo, 13 de abril de 2008

Era uma vez um bípede emplumado...



... Assim denominada em discurso inflamado no plenário do Senado, o senador Mão Santa (PMDB-PI) chamou a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) de "galinha cacarejadora" ao afirmar que ela prefere, como Big Mother, defender insistentemente as obras do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal, em vez de esclarecer o vazamento de informações do suposto dossiê contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Acha o senador piauiense que só há uma culpada nisso tudo: a ministra Dilma Rousseff. E ainda foi buscar na História o que chamou de "comparação literária" da ministra da Casa Civil com a época do nazifacismo, na figura de Göebbels, um dos principais nomes do Partido Nazista, uma espécie de ministro da propaganda de Hitler, que orientava o partido como se fora uma galinha cacarejadora para ficar gritando: as obras, as obras, as obras - antes de fazer e depois. "Isso aí, esse negócio de apelido é outro. Ela [Dilma] pode ser muito bem a galinha cacarejadora desse governo. A história se repete, afirmou o senador", provocando o maior alvoroço no plenário do Senado e se negando a pedir desculpas depois à ministra e mulher. A frase de Mão Santa arrancou protestos da líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC). A senadora disse que o parlamentar peemedebista foi preconceituoso. É esse o cenário do Senado.
Recentemente, revista de circulação nacional informava estar transitando no Congresso Nacional uma planilha de computador com dados sobre gastos pessoais do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso. Os repórteres dessa revista identificaram a origem do documento no Palácio do Planalto, mais precisamente na Casa Civil, que é chefiada pela todo-poderosa ministra Dilma Rousseff, menina dos olhos e candidatíssima à sucessão do Nosso Guia em 2010.
A reportagem da revista identificou o documento como um dossiê e adiantou que ele estava sendo usado no Congresso como instrumento de "chantagem". A combinação dos fatores acima provocou, como era de esperar, um "escândalo político". Como todo escândalo, esse experimentou na semana passada um metabolismo que começou com a negação completa, passou pela acusação da revista de ter falsificado dados, até desembocar em explicações que, se não dirimem totalmente as dúvidas sobre a origem e os objetivos do levantamento dos gastos, pelo menos confirmam sua existência, afastando, portanto, a versão nefasta da falsificação.
Ficou apurado também pela reportagem que o documento foi produzido e editado no Palácio do Planalto de forma a conter informações potencialmente desabonadoras para FHC e Ruth Cardoso - obviamente deixando de lado dados relativos do Nosso Guia e Marisa Letícia. Quando esse dossiê é usado para convencer, influenciar, intimidar ou constranger outros a tomar determinadas atitudes, o Aurélio registra a ação como chantagem.
A verdade é que o dossiê foi gerado no dia 1º de fevereiro, por volta das 14h, quando começou a entrevista de demissão da então ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), no rastro das notícias sobre gastos irregulares com cartões corporativos da República. E chega de conversa fiada, pois só os néscios acreditariam em outra versão, quando se sabe que o dossiê veio mesmo da Casa Civil, agora com um aditivo, o "banco de dados" como a ministra Dilma chama, era apenas para averiguar gastos sigilosos de FHC e Ruth Cardoso.
Ademais, em recente entrevista coletiva, Dilma diz que vazamento é crime - onde estão criminosos?-, não o "banco de dados". Há que se perguntar ao senador Mão Santa: por que não colocar uma raposa para tomar conta do local onde estão acondicionados os bípedes emplumados a que ele refere?
Por incrível que pareça, este é o cenário calamitoso do Senado. Poeta inglês e maior dramaturgo da literatura universal, Shakespeare escreveu suas obras para um pequeno teatro de repertório, no final do século XVI e início do século XVII. Quatrocentos anos mais tarde, suas peças ainda encantam platéias de todo mundo. Hamlet, a tragédia da dúvida, do desespero do solitário príncipe, da violência do mundo. As aparências que enganam e o predomínio das paixões sobre a razão nos fazem crer que esta frase de Hamlet (Shakespeare) disse: "Há algo de podre no reino no reino da Dinamarca". Eu diria: Há algo de muito fétido no reino do Brasil."

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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