quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O mundo dos ciborgues


Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede

Eric Schimidt, diretor executivo do Google, previu na semana passada que a internet, na forma como a conhecemos hoje, vai dar lugar a redes interativas tão integradas aos objetos de uso comum que as pessoas vão deixar de percebê-la. Ou seja: você manda, a geladeira obedece. Pode ser a cadeira, também, ou sua própria roupa. Você poderá ter o mundo na palma da mão, literalmente: projeções holográficas disponibilizam em seu corpo o planeta, ou as pessoas do planeta.

Mas você não poderá agarrar o tempo que flui pelos vãos dos dedos e responder assim à pergunta do poeta Cassiano Ricardo. E este é o dilema, o problema, o xis da questão: integrado num sistema superveloz, é impossível refletir. O Homo Zapiens não pensa, apenas reage.

Esse termo, Homo Zapiens, foi universalizado, a partir de 1999, por meio de um romance do escritor russo Victor Pelevin (que talvez o tenha criado), como informa a Wikipedia. De lá para cá, vários estudos acadêmicos foram publicados em torno dessa nova condição humana, que consiste na hiperinformação e na supervelocidade.

Se não há tempo para pensar ou refletir antes da resposta, se ela deve ser dada em segundos – como fazem os atletas ou os comandos militares de elite – ela será, necessariamente, um reflexo. Ela estará integrada ao corpo da pessoa, resultado de treinamentos exaustivos, no caso dos atletas e dos comandos, mas, no caso das redes informatizadas, decorrente do próprio uso continuado.

Tenho claro que a maioria das pessoas não gosta de pensar, de tomar decisões por seu arbítrio, prefere um manual – seja para comer, seja para rezar, seja para estar em sociedade, seja para prestar exames de vestibular (a quantidade de zeros na redação é um indicador claro disso). Não será problema reduzir-se a um ciborgue, que são aqueles seres da mitologia moderna, metade pessoa, metade máquina. Mas esta condição tem seu preço.

A primeira conta é a total impossibilidade do isolamento. A segunda é o risco de todo manual: o erro que, no caso, conduzirá a desastres. A terceira é o aumento brutal dos controles sobre as pessoas: se você é parte de um sistema, está integrado nele, você não pode escapar de suas regras, por mais contestador que seja. E a quarta é a antevisão de Huxley: a inteligência, indispensável para o desenvolvimento humano, em ilhas, desdobrando os controles, corrigindo o manual, para que todos sejam drogados felizes.

Estamos muito longe disso? Talvez, mas há muito tempo já as pessoas se vestem da mesma maneira, mergulhadas num anonimato angustiante, e, progressivamente, penduram-se cada vez mais nas redes. Cada vez menos fazem coisas com as próprias mãos ou pensam pelas próprias cabeças. Um dia destes atendi o telefone e era uma ligação de telemarketing. Diferente do usual, uma voz eletrônica me disse: Esta/ ligação/ é para / o senhor / Marcos. / Se você/ é a pessoa indicada / tecle 1. /Se você / conhece a pessoa indicada/ tecle 2... e assim por diante. Desliguei o telefone, naturalmente, com uma sensação de raiva e choque. Raiva pelo menosprezo demonstrado pelo uso da voz eletrônica; choque porque não imaginava que, nesta remota província do império brasileiro já se pudesse ser objeto de uma intervenção dessas. Depois pensei que o mundo globalizado não aceita mais a condição de “remota província”, porque a geografia virtual é diferente da física. E que estamos nos tornando ciborgues e nem percebemos isso.

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