O mundo deve e tem que resistir contra quem atenta impor mordaça à liberdade de expressão. Claro, e não é de agora, que atentados islâmicos ameaçam a liberdade em todo o mundo. Vários países que têm gerenciamento de tendência islâmica são tidos e havidos com forte fundamentalismo religioso. Na Europa, o Islã é uma das religiões do dia a dia de um grande número de imigrantes e convertidos. Ao mesmo tempo, a expansão da religião vem acompanhada de dúvidas e sofre com preconceitos e estigmas. Contudo, o desafio que se coloca é de como promover uma reação sem fortalecer os extremistas – também nocivos à civilização – que apregoam o aumento da intolerância, a xenofobia e a islãfobia, ideologia comportamental que no final da história em nada contribui para a evolução dos povos e que só acirra uma guerra sem vencedores.
Generalizações indevidas caracterizam, na maior parte das vezes, a visão que o Ocidente tem do islamismo; e vice-versa. Supostos especialistas, que nunca estiveram nas sociedades que analisam e nem jamais abriram o Alcorão, contribuem para uma interpretação enviesada dos vários mundos muçulmanos. Quem foi a dois ou três países dessa órbita compreende que eles são bastante diversos. O Islã não é um bloco monolítico, nem muito menos estanque. Religião predominante no Oriente Médio e em vastas porções da Ásia e da África, reúne, hoje, quase 1,5 bilhão de pessoas de diferentes origens étnicas, culturais e sociais. As liberdades de muitas nações custaram muitas vidas e, historicamente, têm acontecido à custa de muito sangue e muita amargura.
Mas não é apenas o terrorismo de grupos religiosos radicais que vem promovendo, nos últimos anos, ações que atentam contra a liberdade de expressão, atingem com violência e brutal intolerância diversas partes do mundo os meios de comunicação e os profissionais que neles atuam. Todo dia, o dia todo, surgem, em todos os cantos, tentativas de controlar ou intimidar a mídia, seja por abuso de poder econômico, seja por ameaças contra a vida de jornalistas e cinegrafistas, e, pasmem, até por intermédio de projetos de lei, esse, aqui mesmo, na Corte. Para que essas ameaças não se transformem em realidade, a sociedade precisa estar atenta.
Mas o que entristeceu e deixou o mundo abalado foi à barbárie cometida por assassinos profissionais treinados para matar contra o jornal satírico “Charlie Hebdo”, em Paris, que impõe ao mundo o desafio de combater o terrorismo sem alimentar a xenofobia e a intolerância religiosa. O que se espera é que essas ações lamentáveis e trágicas jamais voltem a acontecer; 7 de janeiro de 2015 deve ser lembrado para sempre. E aconteceu quando o berço do ideal de liberdade ocidental é atacado, com o golpe mais duro que se podia imaginar. Quando um dos pilares mais sagrados da democracia – o da livre expressão – é atingido pelo terrorismo, o dano é abissal.
No dia em que a liberdade foi abatida a tiros por dois homens mascarados e armados com fuzis AK-47 que invadiram a sede do jornal satírico “Charlie Hebdo”, aos gritos de “Allahu akbar” (“Deus é grande”), eles mataram 12 pessoas, sendo nove jornalistas, incluindo o editor-chefe, renomados cartunistas e dois policiais, além de ferirem outras 11. De acordo com a polícia francesa, os autores dos ataques foram os irmãos franceses Said e Chérif Kouachi, de 34 e 32 anos. Ao pior atentado terrorista na França nos últimos 54 anos – desde a Guerra da Argélia –, o mundo demonstrou revolta, indignação e grande consternação.
A Al-Qaeda e o autodenominado Estado Islâmico buscam a legitimação religiosa como forma de arrebanhar fanáticos que, convertidos ao fundamentalismo, migram hoje para receber treinamento militar a promover a jihad islâmica também em solo francês. Na sequência dos atentados em Paris, é preciso que não pairem dúvidas: o direito de se expressar e até de ofender pela sátira também é sagrado... E o humor, de luto!
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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