quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A normalidade anormal


Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na Rede:

Desculpem-me a irregularidade, mas a precariedade dos serviços telefônicos – instalações e linhas – contribuiu para minhas falhas. A indiferença dos prestadores, a inércia dos fiscalizadores e a falta de eficácia do Judiciário estão banalizando o serviço ruim que temos. Torna-se “normal” ter falhas, interrupções, esperar dias e dias por uma providência e, afinal, saber que nada está resolvido, apenas adiado para outro ciclo mais adiante.

Da mesma forma torna-se “normal” pagar um ingresso caro para o jogo de futebol mais importante do Estado que, de maneira “normal”, registra uma falta a cada dois minutos e nada além disso. Ou assistir um telejornal onde não está a notícia que corre boca a boca pela cidade. Ou, ainda, ser assaltado num estacionamento de supermercado.

Estamos nos sujeitando, cada vez mais, a “normalidades” que nos empurram para uma vida completamente anormal, para a barbárie do justiçamento vingativo, para o salve-se como puder das múltiplas agressões que sofremos diariamente: os impostos e taxas escorchantes cobrados pelos administradores públicos para que façam do dinheiro o que bem quiserem; o completo desrespeito ao cliente, ao consumidor por parte de toda a iniciativa privada, do padeiro da esquina à multinacional, passando pelos bancos e grandes conglomerados de negócios; o transporte ruim, o trânsito mal administrado, o ambiente poluído.

Gradualmente deixamos de confiar em quem quer que seja e, se damos crédito a alguém, nos chamam de otários ou nos advertem porque nos arriscamos demais. Aos poucos, está-se criando uma cultura em que você, vítima, você, a pessoa que foi lesada, você, a pessoa que foi assaltada, é o culpado: facilitou, dizem. Ah, ele reagiu a um assalto, por isso levou um tiro...  Ah, você não fiscalizou a compra, por isso perdeu o dinheiro... Ah, você devia ter reclamado antes...

Se alguém disser que vai aproveitar o silêncio e a beleza da manhã de domingo para uma caminhada, alguém próximo dirá logo: não faça isso, as ruas estão desertas, é perigoso! E a pessoa fica, sem perceber que é anormal não poder usufruir um belo dia. Que é anormal ter que ficar circunscrito na toca.

Se alguém reclama no supermercado, os circunstantes olham com estranheza. Não percebem que a passividade com que aceitam as fraudes diárias é que é estranho. Sua normalidade é de ter um risco em cada compra, uma batata estragada em cada pacote, produtos fora da validade na prateleira. E censuram: porque você não prestou atenção? Você, a vítima da fraude, é o culpado...

Em suma: salve-se como puder, porque ninguém virá salvá-lo. Entregue os anéis para conservar os dedos. Transija e agradeça continuar vivo.

E como o que a maioria das pessoas quer é viver em paz, entrega os anéis e transige, sem perceber que, com isso, torna cada vez mais sólida a falta de paz.

Um comentário:

Anônimo disse...

Importante ressaltar que toda esta inércia está conivente com os interesses de nossos políticos, que agradecem, pois assim conseguem mais justificativas para se queixar da falta de recursos com o governo federal e engordarem suas incompetências e seus bolsos em detrimento ao caos em nossa "vida social". Até quando? Temos que agir e parar de usar óculos escuros.