RUI RAIOL
O Ano Novo é um cobrador de contas. Passado o júbilo das festas, o bom velhinho abandona a indumentária carnavalesca e o sorriso bonachão para vestir-se de cobrador exigente. De calculadora na mão e olhar ríspido, Noel não quer saber mais de graça. Não perdoa. Natal, Confraternização Universal e Dia de Reis foram apenas números para ele, números que 2010 vai cobrar de quem passou dos limites.
Fazendo dupla com o ex-bom velhinho, virá outro que, infelizmente, nunca se torna ex: o governo. IPVA e IPTU são contas que vencem logo no começo do ano. O caixa estatal ficou vazio também.
Sem fazer muito barulho, surge uma terceira figura, apoiada pelo braço direito do estado: o serviço escolar. Mais um dever constitucional entregue a particulares. As escolas têm reajuste garantido. Só estuda quem paga. Só mantém filho na escola fundamental quem suporta a quilométrica lista de material.
A vida é assim mesmo. Sempre haverá cobranças. Nem Jesus escapou de impostos. Aliás, foi justamente por uma discussão tributária com Ele que nos veio um divisor de águas sobre este assunto. Indagado por alguns judeus se era lícito a estes pagar tributo a Roma, olhando o rosto de Tibério César gravado numa moeda, o Mestre respondeu que fosse devolvido ao imperador o que lhe pertencia, e garantido a Deus o que lhe é devido.
Então, podemos dividir a vida nestes dois blocos: de um lado, César. De outro, Deus. César representa os deveres. Deus, a graça. César, a cobrança, o rigor; Deus, a tolerância, o amor. São agentes bem diversos, com os quais lidamos diariamente, queiramos ou não.
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“Todos nós recebemos a vida das mãos de Deus. A matéria que nos forma é completamente distinta e mais nobre que a mais bela joia que o homem possa criar.”
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Desde cedo, quando acordamos, César se apresenta com suas exigências. Algumas vêm claramente reveladas, como as questões tributárias que tratamos no começo. A grande maioria, porém, usa disfarce. Precisamos de habilidade para separá-las.
Todos nós recebemos a vida das mãos de Deus. A matéria que nos forma é completamente distinta e mais nobre que a mais bela joia que o homem possa criar. Respiramos um ar invisível. Dormimos. Em nosso corpo, o alimento vira energia. O sono nos alimenta também. A vida prossegue dia após dia, até seu derradeiro capítulo. E César não tem nada a ver com isso. Todas essas questões pertencem a Deus. Mas, vivemos muito ocupados com as coisas de César. Ele reclama atenção o tempo todo e tenta nos convencer que trabalha com a realidade. Mas, não é bem assim.
Estudar, trabalhar, casar, construir, prosperar, pagar tributos são assuntos de César, se vistos como um fim em si mesmos. Por esse prisma, lidamos apenas com aspectos superficiais da vida. Por outro lado, ir a igreja, amar o próximo, orar, exercitar as disciplinas cristãs do perdão, da tolerância e da fé são coisas de Deus, que devemos sempre devolver a Ele.
Estudar, trabalhar, casar, construir, prosperar, pagar tributos também podem ser assuntos de Deus. Mas, para isso, precisamos vê-los apenas como ferramentas da vida, simples engrenagens de uma peça maior, pois todos os césares passaram e hão de passar. Só Deus permanece eternamente.
Há muitas pessoas morrendo por questões secundárias. César lida apenas com estas, mas segue convencendo o mundo que suas cobranças são as mais importantes. Deus trabalha com a essência de tudo o que somos. Lida com as questões mais profundas de nossa existência. Lida com nossa origem, presente e futuro. Tudo. Então, nada contra César, desde que devolvamos a Deus o que lhe é devido. A César, basta a moeda. Fria moeda. A Deus, daremos nosso amor, nosso sorriso, nossa vida. Eis uma boa divisão!
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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)
Um comentário:
"O Senhor é o caminho.
Eu sou o pedágio"
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