Acabar ou não com o ziguezague na Avenida 25 de Setembro é assunto que rende polêmica porque, por onde se olhe, por quaisquer aspectos que se analise essa questão, não será possível desconsiderar fatores de toda ordem que impedem uma sentença definitiva.
E sentença, aqui, entenda-se não apenas no sentido de opinião, de juízo que se faz sobre um assunto. É uma sentença mesmo - a sentença judicial, aquela proferida por um juiz, nos autos de um processo. E tanto é verdade que bastou uma liminar - decisão provisória, preliminar, precária - concedida por juiz estadual para que os espíritos se incendeiem e os ânimos esquentem.
Querem ver um detalhe - apenas um - que não pode levar a visões equivocadas?
Trata-se da tese de que os defensores da reforma da 25 de Setembro, com fins de torná-la uma via rápida, para desafogar o trânsito, é um anseio apenas dos ricos, daqueles que têm carros, desse pessoal insensível, infértil ao verde, resistente a melhorias na qualidade de vida da população que reside em áreas urbanas tomadas por veículos, como é o caso de Belém.
E então, refazer a 25 de Setembro, torná-la uma via apta a receber maior número de veículos é anseio apenas de quem tem carro, daqueles que integram as zelites, os abonados, os que têm carros, os adoradores de asfalto?
Talvez não.
Os ricos preocupados? Será mesmo?
Os ricos, esse povo das zelites, os que têm carros, talvez esses aí sejam os menos interessados nessa polêmica de tornar a 25 de Setembro uma via reta ou mantê-la igual a um caminho de cobra.
Por quê? Porque esses ricaços que têm carro estão no ar-condicionado quando trafegam por aí. Quando estão no engarrafamento, muitos deles não ligam nem o rádio. Preferem ligar o DVD, que é um dos acessórios de seus veículos, vale dizer.
Quando os ricos que têm carros estão, por exemplo, indo para o trabalho de manhã e enfrentam um trânsito como o da Almirante Barroso, eles dão uma pausa no iPod – desses novos, de 80, 160 gigas -, passam a mão no iPhone e mandam uma mensagem para a secretária, dizendo que ele próprio, o ricaço, e o motorista que o conduz vão chegar um pouco mais tarde, porque estão encontrando certa dificuldade no trânsito travado, debaixo daquele solão de 50 mil graus.
O ricaço, os donos de carros, quando estão num congestionamento - com o ar-condicionado ligado, o DVD exibindo o último filme ou o som estéreo tocando a última novidade importada -, têm a opção de procurar uma via alternativa para chegar mais rápido aonde querem.
Os pobres sofrem mais no trânsito. Ou não?
E o pobre? E os pobres?
Tomem, por exemplo, o caso de gente próxima - e estimadíssima - aqui do blog, que reside em Benevides. Sabem quando tempo ela demorou para ir do bairro de Nazaré até sua casa, de ônibus, no dia em que a BR ficou fechada durante protestos logo depois que saiu o resultado das eleições em Ananindeua?
Sabem quanto tempo ela passou para sair de Nazaré até chegar à porta de sua casa? Cinco horas e meia. Repita-se: cinco horas e meia. É quase o tempo de uma viagem Rio-São Paulo pela Via Dutra.
Onde ela estava? Onde estava a pobre trabalhadora? Onde estava a trabalhadora pobre? Num ônibus. Um ônibus sujo, fedorento, bolorento, carcomido, horrível. Estava dependurada lá dentro, junto com outros cidadãos humildes que, como ela, voltavam do trabalho pra casa.
Do ônibus onde se encontrava, ela e outros pobres podiam ver, lá embaixo, esses ricaços em seus carrões trancados, com o ar-condicionado ligado, assistindo ao último DVD ou escutando o som importando - tudo isso no interior de seus veículos.
Quem teria, naquelas condições, mais interesse em chegar rápido em casa? Quem teria, naqueles condições, maior interesse em que o trânsito fluísse mais rápido: o ricaço em seu carrão com ar-condicionado e equipado com um DVD e outras maravilhas tecnológicas ou a trabalhadora humilde, dependurada num ônibus velho, sujo, fedorendo e calorento?
Reformar a 25 vai melhorar o trânsito?
Argumenta-se, nesse caso da 25 de Setembro, que torná-la uma via mais rápida não servirá para desafogar o trânsito nas avenidas paralelas, no caso a Almirante Barro e a Duque, por exemplo.
Não mesmo? Ou, ao contrário, a 25 de Setembro sem ziguezague vai melhorar o fluxo de veículos, com bons reflexos em outras ruas mais próximas? Que estudos existem para balizar uma ou outra resposta? Existem tais estudos? O que eles apontam? Vão fazer estudos mais detalhados, técnicos?
Isso é coisa a se investigar.
Mas não se diga que melhorar o fluxo de veículos numa cidade não contribui para a qualidade de vida, porque contribui. E quem ganha mais com isso são as pessoas mais pobres, que andam de ônibus e, como no caso de Belém, não têm sequer a alternativa de um metrô para se locomover mais conforto na cidade.
É o pobre que tem maior interesse num trânsito que flua melhor porque ele sofre mais, sente maiores desconfortos, passa por maiores sufocos e não tem sequer a possibilidade de procurar, na hora do congestionamento, uma via alternativa, porque ônibus têm itinerários definidos e não podem fugir deles.
Calçada é para pedestre, rua é para carro. Ou não?
E não se pode, além disso, fugir de um detalhe óbvio: cada coisa tem sua destinação específica, clara, definida.
Assim é que um estádio de futebol é para se assistir a uma partida de futebol.
Uma igreja é para se rezar.
Um hospital é para se cuidar da saúde.
Um teatro é para se assistir a um espetáculo cultural – seja qual for.
Uma calçada é para pedestres.
Uma rua é para carros e outros veículos trafegarem.
Há alguma heresia em dizer isso claramente?
Talvez não. Então, é preciso dizê-lo claramente.
O que temos, todavia?
Temos cidades entulhadas de carros, que inclusive são estacionados até sobre as calçadas, restringindo cada vez mais a mobilidade dos pedestres.
O que fazer diante dos carros que vão tomando contas das cidades?
As alternativas são restritas, limitadas: explodam-se os carros, proíbam-se as pessoas de os adquirirem ou, de outro lado, que se encontrem alternativas para o trânsito fluir.
Se o trânsito vai fluir na superfície do solo ou em túneis; se vai fluir através de pontes, por baixo do rio, do mar ou do igarapé, em ruas e avenidas suspensas ou seja lá o que fora, isso não importa. O que importa é que preciso o trânsito fluir. E quanto mais fluir facilmente, ficará felicíssimo tanto o cara o cara – ou a cara – que dirige um Audi do ano como aquele que dirige um fusquinha modelo 1960, reformado 950 vezes, e o pobre, que passará menos tempo dentro de um ônibus – fedorento, calorento, sujo, caindo aos pedaços.
Nesse sentido, uma avenida como a 25 de Setembro pode ser um oásis de qualidade de vida, pode ser um éden verde em meio à selva de asfalto por onde trafegam ricaços em seus carros e pobres em seus ônibus?
É claro que pode.
Se o traçado da 25 de Setembro não se adequa mais a uma Belém que não é a de 30, 40 anos atrás, então que se ajuste a concepção da avenida às novas necessidades, ainda que mantendo a sua condição de uma rua, digamos, diferenciada das demais.
Qual o grau de reforma da avenida?
Qual a dosagem, qual o grau dessa diferenciação?
Sabe-se lá. Quem definirá isso são paisagistas, urbanistas, engenheiros de trânsito e outros profissionais.
Mas o certo é que nenhum deles, nenhum de nós podemos fugir dessa realidade – dura, mas de qualquer forma realidade: a cidade está entulhada, atulhada, estrangulada por carros. E se a Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião – como diz o Caetano na música -, as ruas são para carros trafegarem. E numa cidade como Belém, o trânsito estrangulado é pior para todos.
Aliás, é bem pior para os pobres do que para os ricos.
É pior para quem anda em ônibus fedorento do que para ricos que andam em suas Ferraris e em seus Audis do ano.
Se você tem dúvida, deixe seu carro com ar-condicionado e pegue um ônibus, para ver o que é bom pra tosse.
Em vez de passar duas horas dentro de seu carro com ar-condicionado, equipado com DVD, fique apenas uns 15 minutos dentro de um ônibus velho, calorento e imundo.
Talvez assim você chegará à conclusão de que trânsito bom é trânsito que anda. Trânsito bom é trânsito que não submete os pobres ao terror dos engarrafamentos intermináveis.
Por que você não fazer esse teste?
5 comentários:
Clap, clap, clap!!! (uma salva de palmas!!!)
Paulo, seu comentário foi perfeito, irretocável, irrepreensível.
Moro na Cidade Nova e trabalho no Umarizal (não tenho carro, ando de ônibus), portanto conheço bem o suplício de enfrentar um trânsito que não anda. É um castigo!
Gostaria de lembrar aos profetas do caos que o bairro de Nazaré, um dos mais arborizados de Belém, é um bairro cheio de largas avenidas. O verde e o asfalto convivem em perfeita harmonia nesse bairro.
Faço o lembrete porque alguns comentários levam a crer que uma avenida com trânsito normal não pode ter árvores, o que é um absurdo.
Amigos "defensores do verde na 25", saiam do bairro do Marco e circulem por Nazaré um pouco. Só um pouco. Observem que em avenidas largas e movimentadas, como a Generalíssimo Deodoro, a Braz de Aguiar, a Benjamin Constant e a própria Nazaré, o verde e os carros coexistem em perfeita harmonia. Abram os olhos - e a mente.
Denise Pacheco
Nnão é novidade usar os transtornos que os pobres sofrem pra melhorar a situação dos que tem (seja lá o que for que tenham). Não vi em nenhum momento dessa discussão sobre melhorias de trânsito alguém dizer que vai rasgar uma avenida passando pelos condomínios que proliferam na cidade. Nem vi nenhum debate de que vão reestruturar as ruas dos bairos mais pobres e afastados (lá também tem gente com carro!). Faltou também dizer que linhas de ônibus poderão trafegar pela nova 25 de setembro e talvez o mais importante quando serão implantados terminais de passageiros pra melhorar a circulação da população pela cidade.
Cláudio
Incrível que, sempre que se discute situação caótica do trânsito de Belém, os gênios só conseguem pensar em rasgar avenidas amplas e com direitos irrestritos aos automóveis, que não se discuta a re-organização do trânsito, a reformulação do sistema de transporte coletivo, que aqui é absurdo, o fim de filas dup´las, triplas, quádruplas em frente às escolas ( de ricos), o respeito às regras do trânsito. Os defensores de rasgar a 25 é uma demonstração de ódio aos moradores da área, como se eles não tivessem os mesmos direitos dos que alegam ter necessidade de se transformar uma rua tranqüila em um inferno de alta velocidade, como se um rua pequena como a 25 pudesse solucionar todo o caos do trânsito ee Belém. Infelizmente, como aqui nessa terra onde até a Justiça escolhe de que lado fica os direitos são simplesmente jogados para o alto, vão rasgar a 25, que em pouquíssimo tempo se transformará num inferno de filas intermináveis de carros, fumaça e buzinas sem fim e quem sabe algum juiz determine o fim do bosque Rodrigues Alves para dar mais espaço àquilo que importa - carros com mais velocidade - quem sabe também se pudesse abrir ali o parque zoobotânico do Museu Emilio Goeldi, o Praça da República - onde já se viu um imenso espaço como aquele usado apenas por desocupados?
Preocupante, caro jornalista, é sua sugestão final: por que não fazer esse teste? Certo, vamos derrubando árvores, rasgando avenidas, só para testar. Se não der certo, azar de quem sofrer com isso, afinal, qualidade de vida, respeito ao meio ambiente, isso é papo ultrapassado, de gente que não entende as necessidades do mun do moderno, não é mesmo? Como diz, feliz da vida a comentarista Denise: comentário irretorquível. Gostaria, minha senhora, de ver seu comentário daqui há poucos anos, quando a 25 estiver o inferno que a senhora e tantos defensores do predomínio do asfalto defendem. Vão sugerir que tipo de teste?
Nazaré, um dos bairros mais arborizados de Belém,? Onde essa moça vive? Ela não vê a cada dia desaparecerem as tão faladas e mais odiadas mangueiras?
Anônimo,
Eu o desafio a apontar uma vírgula, na postaem, onde eu sugiro que se derrubem árvores e outras coisas.
E não venha dizer que você "inferiu" isso no contexto da postagem. Porque, se você disse isso, eu poderia dizer que "inferi" que você não leu a postagem.
Mas vou postar seu comentário na ribalta, hoje à tarde.
Abs.
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