Vale a pena ler o artigo, sob esse título, escrito por Marcos Magalhães. Jornalista profissional desde 1982, ele trabalhou no Jornal do Brasil, na Gazeta Mercantil, na Agência Estado e nas revistas Veja e Istoé. Marcos, além disso, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra). Está disponível no site Congresso em Foco. Leia.
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As manifestações a favor da independência do Tibete que acompanharam o percurso da tocha olímpica em diversos países, nos últimos dias, deixam claro a quem ainda não quer ver: o palco político torna-se cada vez mais global. Vai se perdendo no retrovisor aquele tempo em que cada país podia – na maioria dos casos – dizer ao restante do planeta para não se meter em seus assuntos internos. Os olhos do mundo estão cada vez mais abertos. E, se isso afeta a China hoje, pode muito bem afetar o Brasil amanhã.
O governo chinês investiu bilhões de dólares para promover os Jogos Olímpicos deste ano. Ergueu em Pequim estádios moderníssimos, escavou novas linhas de metrô e deu ao aeroporto da cidade um novo terminal – o maior do mundo. Além disso, tem promovido uma gigantesca campanha internacional de marketing para promover o evento. Os Jogos de 2008 são a oportunidade que Pequim esperava para mostrar ao mundo a nova face da China – pujante, moderna e autoconfiante.
Mas não é que aqueles monges do Tibete resolveram entrar no jogo? As análises de risco político promovidas pelo governo chinês, em preparação para as Olimpíadas, certamente devem ter priorizado outras ameaças, como as de terrorismo. Depois do 11 de setembro, afinal, qualquer cuidado é pouco, em qualquer lugar do mundo. Ainda mais em um evento tão importante. Quem sabe Taiwan também terá preocupado os líderes chineses, com seu discurso de independência em relação a Pequim.
Ainda é cedo para se afastar a ameaça terrorista, mas até o momento qualquer ataque parece improvável. As eleições do mês passado deram a Taiwan um novo governo, mais disposto a negociar com Pequim. E o Tibete? Por mais que se previssem as manifestações por maior independência, dificilmente as autoridades chinesas poderiam ter imaginado uma tão grande repercussão internacional. Até o presidente do Flamengo decidiu entrar em campo, no Maracanã, com uma bandeira do Tibete nas mãos, antes da semifinal contra o Botafogo na Taça Rio.
Se existem dois temas que devem ganhar cada vez maior repercussão internacional, esses são os direitos humanos e o meio ambiente. Quanto aos direitos humanos, a simpatia mundial pela causa do Tibete está aí para mostrar que será cada vez menos aceita a repressão à liberdade de um povo. A China poderá promover os melhores Jogos Olímpicos da história. Mas a história também vai registrar as manifestações internacionais a favor do Tibete.
O meio ambiente, por sua vez, ainda vai ganhar um espaço cada vez maior na imprensa internacional. O recente aumento dos preços dos alimentos em todo o mundo, por exemplo, colocou lenha na fogueira dos críticos dos biocombustíveis. A produção em massa de combustíveis como o etanol seria um “crime contra a humanidade”, atacou o suíço Jean Ziegler, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Alimentação, durante entrevista a uma rádio alemã.
Ziegler não está só. Não faltam por aí críticos ferozes da produção de etanol. Bem ou mal intencionados, nem sempre eles são bem informados. Dizem, por exemplo, que o álcool brasileiro está ajudando a desmatar a Amazônia, quando a maior parte da produção nacional está localizada no centro-sul do país. O Brasil vai montar uma campanha internacional de defesa do etanol. Mas muita gente na Europa, por exemplo, vai pensar duas vezes antes de colocar no tanque de seu carro um produto que poderia estar colocando em risco o futuro da maior floresta do planeta.
Se neste ano temos Olimpíadas, em 2014 temos a Copa do Mundo no Brasil. Assim como hoje as atenções estão voltadas para Pequim, dentro de seis anos bilhões de telespectadores de todo o planeta estarão ligados no Brasil. Estarão atentos ao futebol, é verdade. Mas o gancho de uma Copa do Mundo vai certamente motivar, também, a realização de dezenas de reportagens sobre o país onde a bola vai rolar. Como sempre, vai-se falar de samba, mulatas, favelas. Só que esses antigos temas serão acompanhados de outro, cada vez mais importante – o meio ambiente.
Assim como o Tibete é hoje o calcanhar-de-aquiles de uma China moderna e poderosa, a questão ambiental – e a Amazônia em particular – pode representar uma ameaça à projeção de uma nova imagem do Brasil para o mundo, oito anos antes da comemoração do bicentenário do país. Ainda temos tempo. Nos seis anos que nos separam da primeira partida da Copa de 2014, o Brasil pode investir bem mais do que tem investido até agora na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. Se tiver bons resultados para mostrar até lá, o país poderá conquistar admiradores não só pelo que faz nos gramados, mas também pelo cuidado com as suas florestas.
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