terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Dilma escancara a campanha


Em dezembro passado, o discurso oficial do governo do Nosso Guia foi um dos principais alvos do governador das Minas Gerais, Aécio Neves, durante encontro promovido com empresários na sede da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Apesar de identificar bons resultados do presidente da República na área social, o tucano afirmou que o governo federal toma para si a maior parte dos avanços conquistados por seus antecessores.
"Se um extraterrestre pousasse sua nave aqui na praia do Flamengo, ia achar que o Brasil foi descoberto em 2003, que não existia nada antes disso, que tudo foi feito de lá para cá. Isso não é verdade", reagiu Aécio. A grande ruptura se deu com o Plano Real e com o fim da inflação. A partir daí, tivemos um período de continuidade.
Logo em seguida, Aécio atacou a propaganda eleitoral do PT veiculada à época, na qual Nosso Guia turbinou números e assumiu méritos de outros governos, como o de estabilizar a economia. O PT foi por um viés perigoso e negligente, de querer dividir o país entre pobres e ricos, enfim, entre os que pensam no povo e os que são contra o povo.
É preciso ter muito cuidado. No Estado do espetáculo, a visibilidade é chave mestra da competição. A situação parece sobremaneira, ante o desenho de um grupo que, sob a ostentação do pavoneamento, prefere o risco da chacota às regras do decoro e da boa convivência, indaga-se: perfis circenses subirão ao pódio?
O ex-presidente Fernando Henrique, tem um grave defeito: cultua sua sofisticada cultura de doutor em Sociologia (muitos o chamam de neoliberal, o que ele abomina) detratando o presidente da República por se tratar de um ex-torneiro mecânico. Isso é perda de tempo, Lula tem carisma, manda no PT dividido e fragilizado, se blindou e criou o "lulismo". FHC cai na vala da banalidade ao trocar farpas com Nosso Guia. Deveria, sim, atacar os flancos fracos do governo de seu sucessor. Nem o atual presidente é um gênio nem o ex é um ente sem talento. Contudo, não deve causar surpresa o fato de que nossos políticos continuam exímios na arte de representar. O que causa reação negativa é a esquisitice de parlamentares cuja aparência estrambótica chega a agredir o cargo que ocupam.

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“Não deve causar surpresa o fato de que nossos políticos continuam exímios na arte de representar. O que causa reação negativa é a esquisitice de parlamentares cuja aparência estrambótica chega a agredir o cargo que ocupam.”
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Enquanto a oposição sofre de um sono patológico prolongado, a situação se aproveita dessa letargia e vai fazendo seus palanques pelo Brasil. Nesse caso, os limites da liturgia do cargo costumam ser rompidos. E os atores, motivados a participar de encenação que tem mais a ver com estripulia circense. A vontade de aparecer na mídia é tão obsessiva que a cognição sobre os limites entre os atos convenientes e inconvenientes, normais e ridículos, se torna esmaecida na mente dos personagens.
O Partido dos Trabalhadores foi apressado ao engolir crua a decisão do presidente Lula ao impor para sua sucessão a ministra Dilma Rousseff. O que talvez se vejam nos palanques e na mídia será de uma mulher, criada das visões surrealistas de marqueteiros. Ledo engano. Dilma tem se apresentado como uma mineira simpática, afável e de discurso simples e às vezes mordaz. Ainda que tenha nascido em Minas, ela nunca será alternativa de Minas para o poder.
Isso é apenas o início. A campanha presidencial - ou pré-campanha, como prefere o governo - tem começo em alta temperatura com Nosso Guia chamando de "babaca" o presidente do PSDB, que, por sua vez, disse que Dilma é "mentirosa".
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, chamou de "jagunço" o senador Sérgio Guerra e de "hipócrita" o governador de São Paulo, José Serra, por se manter afastado - ou não sei qual é a dele - do bate-boca. "Não vou perder meu tempo com ti-ti-ti, fofoca. Não vejo sentido nisso", limitou-se a comentar o governador.
A verdade é que, enquanto a oposição dorme, a situação age. A campanha está escancarada, só não vê quem não quer. Jenipapo de Minas foi palco de algo muito semelhante com uma campanha eleitoral. Acompanhada do Nosso Guia, a ministra Dilma inaugurou uma barragem e emocionada foi às lágrimas ao lembrar sua origem mineira (uau! Ou, seria melhor uai!).
Com certeza, é perda de tempo ficar discutindo se o périplo do Nosso Guia e Dilma fazem pelo País, inaugurando placas e pedras fundamentais de obras que ficarão prontas daqui a anos, é ou não é uma artimanha para ocultar uma campanha, o que seria ilegal. A justiça já decidiu que só existe campanha se existir candidato oficial ou pedido de votos - e Dilma, oficialmente, ainda não é candidata e nem pediu votos.
A polêmica, por fim, reacendeu um fantasma que ronda e preocupa muito os mentores da campanha da ministra: o receio da pecha de ter sempre suas versões confrontadas com a verdade. Na intimidade, Dilma é conhecida por reações muito intempestivas. Ao fim e ao cabo, resta saber na hora do vamos ver como se comportará a ministra nos palanques tupiniquins.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra@gmail.com

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