sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

"Guerra ecológica" no oeste paraense


JOÃO CARLOS BEMERGUY CAMERINI
Centenas de pessoas pertencentes a várias comunidades da região do Tamuataí, Uruará e Guajará, município de Prainha (PA) – no mapa acima, indicado em vermelho - encontram-se acampadas, desde o dia 27 de novembro do ano passado, na boca do rio Tamuataí, que marca o limite da Reserva Extrativista Renascer. Trata-se do Movimento Contra a Retirada de Madeira Ilegal da Resex.
Neste período, o Movimento conseguiu impedir a saída de cinco balsas carregadas com madeira que denunciam como ilegal e outras empresas estão relutantes em descer o rio, temendo terem suas cargas retidas. Segundo os moradores da região, a notícia da criação da Reserva e da retirada das empresas madeireiras do local, por volta de seis meses atrás, detonou um processo acelerado de destruição e pilhagem da floresta local, chegando a sair de cinco a oito balsas por noite pelo Rio Uruará.
Além da luta contra a extração e comércio ilegal de madeira na Amazônia e da defesa de território tradicional, o prolongamento desta manifestação é consequência da conhecida e repetida inércia dos órgãos ambientais na Amazônia. Trata-se de um caso em tudo semelhante ao conflito na Gleba Nova Olinda, na região do rio Arapiuns, que culminou com a queima de duas balsas de madeira por comunitários revoltados, devido à ausência de fiscalização de madeira apreendida com indícios de ser produto de crime.
A semelhança entre as duas situações sugere que parece haver um pacto silencioso entre diferentes agentes para a impunidade do crime ambiental na região: em primeiro lugar, a Sema (PA) emite Guias Florestais e, ao mesmo tempo, não fiscaliza o uso destes documentos de transporte florestal; ato contínuo, quando existem denúncias de carregamentos com volumetria divergente daquela constante na autorização, o órgão ambiental diz que não tem condições de medir a madeira. Quer dizer, para facilitar a exploração e transporte de recursos florestais, inclusive em área protegida, a Sema é eficiente, mas para fiscalizar o crime ambiental, não. Se estes recursos são extraídos de unidades de conservação ou de assentamentos destinados a comunidades tradicionais e pobres da Amazônia, vivendo em locais de difícil acesso e visibilidade social, então o descaso é maior ainda.
Em segundo lugar, existe o papel dos pretensos donos da madeira que atuam de duas maneiras: por um lado, através da conhecida violência e ameaças contra os comunitários, buscando enfraquecer as denúncias com intimidações. Por outro lado, utilizam seu poder sobre a mídia local para difundir idéias de que as madeiras têm origem legal - "temos as Guias Florestais da Sema", dizem - e que índios, ribeirinhos e extrativistas, o povo pobre e sofrido da Amazônia, são bandidos e vândalos da propriedade privada, manipulados por interesses estrangeiros. Procura-se escamotear, a todo custo, o fato de que a discussão não gira em torno da existência ou não de documentação, mas sim sobre se esta papelada corresponde ou não à realidade.

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“Não podem ser os pobres, as comunidades nativas da região, a população amazônida os únicos a serem criminalizados nesta "guerra ecológica" que se desenrola no oeste paraense, num processo evidentemente político e não penal. A corda não deve arrebentar para o lado mais fraco.”
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O terceiro vilão da Floresta Amazônica, vulgo "Papai Noel", costuma atuar principalmente no final do mês de dezembro e desta vez atacou no Instituto Chico Mendes. Após muita pressão e resistência do Movimento da Resex Renascer, o órgão federal realizou uma vistoria no local e constatou a existência de um porto ilegal e uma serraria funcionando dentro da unidade de conservação. Mesmo assim, recusou-se a embargar a saída de qualquer carregamento de madeira da área e novamente alegou a impossibilidade estrutural de realizar uma fiscalização satisfatória, incluindo a medição da madeira das balsas e nos pátios das serrarias ainda no local, devido ao período de fim de ano. A culpa, portanto, é dele mesmo: Papai Noel! No Ministério Público Federal e no Poder Judiciário, não há procuradores ou juízes, pelo mesmo motivo.
O Natal deve ter sido feliz para as autoridades estaduais e federais em Santarém. Mas para os comunitários da Reserva Renascer e seus filhos, acampados há semanas, sem poder descuidar e sob constante tensão, pergunta-se, terá havido Natal? Existem pessoas sendo ameaçadas e um cacique borari sob proteção policial.
É preciso, contudo, que se diga: é notória a escassez de recursos humanos e estruturais dos órgãos ambientais da Amazônia. Ninguém discorda de que falta vontade política para resolver o problema fundiário e ambiental e de que não há possibilidades dos órgãos ambientais fiscalizarem esta imensa região.
Por outro lado, não podem ser os pobres, as comunidades nativas da região, a população amazônida os únicos a serem criminalizados nesta "guerra ecológica" que se desenrola no oeste paraense, num processo evidentemente político e não penal. A corda não deve arrebentar para o lado mais fraco. O governo não deve deixar aqueles que estão fazendo o seu trabalho à mercê das violências e das difamações de uma elite econômica. As autoridades devem atuar em parceria com a população e não acobertar crimes contra a floresta.

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JOÃO CARLOS BEMERGUY CAMERINI é advogado (OAB/PA n. 13.526) é mestrando em Direito Ambiental/UEA
http://lattes.cnpq.br/4697935959876025

ATUALIZAÇÃO:
Pouco depois que o artigo foi escrito e remetido ao blog, os pistoleiros agiram.
Dois comunitários acampados foram baleados e as balsas acabaram descendo o rio

3 comentários:

Bia disse...

Bom dia, caro Paulo:

Pelo sobrenome, o advogado já mereceria atenção na leitura. Pelo texto, um agradecimento.

Estranho agradecimento, é verdade. Um agradecimento de quem já leu e viveu epitáfios semelhantes, em situações identicas de resistência e morte, mas que se alegra ao ver que o autor do textoinsiste na denúncia e resiste ao cansaço de remar contra a maré.

A desordem fundiária - conveniente para muitos - mantida e alimentada pela desordem institucional e, no caso deste governo, pela irresponsabilidade total, é a doença secular que nos enfraquece e mata, figurativa e concretamente.

Na linha dos posts anteriores, onde os orçamentos mostram a distância entre discursos e´péssimas intenções, o orçamento da SEMA em 2009 foi de R$ 46.039.149,00. Em 2010, caiu para R$ R4 25.187.880,00, POUCO MAIS DA METADE do ano anterior.Para despesas de capital, os recursos que já eram pífios em 2009 (R$ 6.300.708,00) caíram para R$ 942.419,00 para 2010.

Aquilo que pomposamente no orçamento chama-se de gestão ambiental - que une SEMA e IDEFLOR - teve um "abatimento"de R$ 46.873.206,00 em 2009 para R$ 24.245.461,00, em 2010. Papai Noel, Yemanjá, a chuva, as intempéries, a crise internacional e o escambau que se prepararem para ser motes perpétuos neste ano que começa!

É o caso de se perguntar, unindo mais uma vez este post aos anteriores: como andou a suplementação de recursos da SEMA? E do ITERPA? E o "eficientíssimo" IDEFLOR?

Abração, Paulo. E ao autor do texto, tambem.

Anônimo disse...

A que se considerar também a atuação conivente da PM da região (se está obedecendo ordens superiores ou não é uma coisa que o MPE deveria investigar.)
Bem a PM foi como parece ser seu costume dar segurança as balsas que transportam a madeira e esteve no acampamento dos manifestantes intimidando-os e supostamente desarmando-os.

Cláudio Teixeira

Mary Cohen disse...

Oi Paulo,
Muito oportuno o artigo. A situação ali é crítica e nada, absolutamente nada, salvo mandar a força repressiva contra os comunitários, é feita pelo governo do estado. Estive lá no início de dezembro e pude constatar não somente a gravidade da situação, mas a veracidade das denúncias, inclusive a perseguição contra o cacique Dadá Borari.
Abs
Mary