domingo, 11 de outubro de 2009

Realidade ou ficção


Será que não é perda de tempo recordar fatos que criaram na população um sentimento de medo e constrangimento por uma série de transgressões? Não faz muito tempo, em São Paulo, o Estado mais importante do País, numa manhã de 11 de maio de 2006, o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcos Willians Herbas Camacho, o "Marcola", chefe do crime organizado, planejava uma onda de rebeliões para aquele fim de semana. Deixaou estupefato, principalmente, o governo paulista, que não conseguia dar um basta nos atentados. Na vida real, o Marcola é um só: chefe do autoproclamado PCC, facção que domina presídios paulistas, onde manda e ordena crimes nas ruas.
Agora, tudo pode acontecer de novo? A estréia de "Salve Geral", filme inspirado nos ataques do PCC que aterrorizaram São Paulo em 2006, traz de volta um espectro que todos prefeririam esquecer. Baseado em fatos reais, uma variedades de cenas de "Salve Geral" mostra os ataques que os bandidos fizeram à cidade de São Paulo.
Na sexta-feira, 2 de outubro, quando chegou aos cinemas brasileiros, o verdadeiro Marcola deveria estar no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, para ser julgado pelo assassinato, em 2003, de Antonio José Machado Dias, juiz-corregedor de Presidente Prudente, no interior do Estado.
No filme, o juiz-corregedor também é executado - apesar da discordância de um dos Marcolas. Realidade e ficção podem se misturar no cinema. Nos tribunais, não. O promotor de justiça Carlos Marangone Talarico afirma ter provas de que Marcola e seu braço direito do PCC, Júlio César Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, mandaram matar Machado.
Será que fazer um filme, mesmo que seja para reconstruir os fatos com a fidelidade que aconteceu com o fatídico 11 de setembro, no World Trade Center e o Pentágono, mesmo apenas se apoiando no que aconteceu, sem acusar ninguém, valeria a pena?
A mistura de realidade ("o dia que São Paulo parou") com uma trama ficcional, contudo, parece enfraquecer ambos. Parte do filme mostra a orquestração comandada por Marcola de dentro do presídio, as rebeliões nas casas de detenção, os ataques a delegacias, ônibus, bancos, lojas e a negociação do governo, com a polícia para pôr fim à onda de violência, indo à forra e executando inocentes pelas costas nas ruas. A outra parte foi inventada: uma história de amor e tão pouco verossímil que contamina a compreensão do que aconteceu na vida real. O que houve na realidade é que a facção se valeu do terror para acuar o Estado, a polícia e a população civil.
Será que novos episódios como aquele podem ocorrer? Por que o PCC e os presídios, aparentemente, estão numa fase de calmaria? Responder a essas perguntas envolve entender como o PCC foi capaz de comandar o crime de dentro dos presídios e o que foi feito para tentar minar esse poder de lá para cá.
A fama de principesco de Marcola é de ser um homem culto. Afirma que já leu na prisão mais de 3 mil livros, vive sempre arrumadinho, bem barbeado, não fala gíria e não se dirige a qualquer presidiário.
Marcola é portador de um transtorno emocional da mais alta gravidade: a psicopatia. O psicopata representa uma cena sem qualquer sentimento (chora ou sorri) e você tem a certeza que está sofrendo ou está muito feliz. Um psicopata chora as lágrimas que são de frustração, e não de conhecimento. Ele cria um espaço já antes decidido. Não tem uma limitação responsável. O psicopata passa cima atropelando tudo, o que uma pessoa normal jamais transporia. Não tem remorso e baixa visibilidade do futuro. É assim que funciona Marcola, uma personalidade psicopática.
Não sou crítico de cinema, dei apenas um pitaco. É preciso ter mais e melhores prisões e, sobretudo, acabar com o sistema judicial que gera uma grande impunidade e incentiva o crime no país. É justo que um filme baseado no terror que eclodiu do inferno das celas brasileiras tenha um final feliz?

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Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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