FLÁVIO SIDRIM NASSAR
Se quisermos, o dia 30 de março de 2009 poderá vir a ser o dia da refundação da Universidade Federal do Pará.
O início da UFPA 2.0. Da UFPA Ubuntu, palavra de origem sul africana que significa "uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas", ou numa outra tradução "a crença no compartilhamento que conecta toda a humanidade". É por isso que um dos distribuidores de software livre baseados no Linux escolheu o nome Ubuntu para denominar o seu sistema operacional. A Comunidade Ubuntu ajuda-se mutuamente, não havendo distinção de novatos ou veteranos; a informação deve ser compartilhada para que se possa ajudar quem quer que seja, independentemente do nível de dificuldade.
Mas o que de tão importante aconteceu neste dia 30 de março?
Neste dia o Consun detonou definitivamente o golpe que se armava contra a autonomia da universidade.
Em ação previamente orquestrada conselheiros diretamente ligados ao Reitor apresentaram ao Conselho a proposta de mudar, depois do pleito, as regras previamente acordadas e aprovadas por unanimidade.
Apostavam em uma reunião tumultuada. O tumulto não veio e as manifestações contrárias à posição da administração foram demonstrando que os golpistas estavam perdidos. A pá de cal veio quando os sindicatos dos professores e dos servidores, juntamente com a representação estudantil, repudiaram o golpe.
Esperavam os golpistas um posicionamento sectário dos estudantes e sindicalistas, esperavam que apostassem no "quanto pior melhor" e que se retirassem da sala de votação quando tivessem que cumprir o ritual da votação uninominal. Contavam como certo que os "radicais" do PSOL e PSTU não manchariam suas bocas pronunciando o nome "Maneschy".
Quando chegou a hora da verdade, o interesse universitário prevaleceu contra a minoria golpista. Foram 53 votos contra o golpe e 32 a favor.
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“Diferentemente do que presenciei várias vezes na história recente da UFPA, quando sindicalistas de resultados e estudantes oportunistas deixaram de lado as tradições libertárias de seus movimentos em troca de facilidades, o que vi no Consun foi uma demonstração de coerência.”
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As manifestações das entidades representativas da comunidade universitária demonstraram o compromisso destas com a democracia. As entidades haviam apresentado propostas diferentes de regimento eleitoral do que foi aprovado, e mesmo tendo sido elas derrotadas, se submeteram às regras acordadas e agora exigiam que elas fossem respeitadas.
Diferentemente do que presenciei várias vezes na história recente da UFPA, quando sindicalistas de resultados e estudantes oportunistas deixaram de lado as tradições libertárias de seus movimentos em troca de facilidades, o que vi no Consun foi uma demonstração de coerência.
O debate de como deve ser o processo de escolha dos dirigentes das IFES ainda não terminou. A legislação atual dá prevalência ao voto do professor em 70% o que é considerado exagerado por muitos.
A atual eleição veio demonstrar o quanto o modelo brasileiro de escolha dos dirigentes das IFES, com consulta direta à comunidade, tem que ser respeitado e aprimorado.
Nos últimos anos mudou profundamente o perfil do quadro discente. O professor comprometido com as causas sociais e coletivas, que aliava atividade intelectual com uma práxis política, foi sendo substituído pelo atual do padrão MEC-Capes-CNPQ que, a despeito da grande especialização e títulos, é muitas vezes analfabeto político, como definiu Brecht. Correndo atrás dos índices de produtividade exigidos pelo modelo atual "publish or perish" (publicar ou perecer) perde-se o compromisso crítico e exacerbam-se os egos e o individualismo. Neste universo a preservação do status quo é sempre uma tendência.
Nesta eleição ficou claro que a se a escolha do próximo dirigente da UFPA tivesse sido feita dentro do que a legislação atual prevê, prevaleceria a força da caneta e o resultado seria a manutenção da equipe atual.
A eleição direta, o debate, a participação, o controle social pela mídia, colocaram a roda a girar e este movimento possibilitou a manutenção da saúde civil da instituição contra a acomodação e a transferência burocrática do poder dentro do mesmo grupo.
É por isso que o 30 de março foi, em certo sentido, heróico.
Para ser coerente na presente análise é importante que se diga que alguns fatores anteriores ao processo eleitoral contribuíram para esta convergência de resultados: a postura belicosa do atual reitor em relação às entidades representativas da comunidade universitária; o fato de Maneschy não ser vinculado aos principais partidos políticos com interesse na Universidade; a maneira como foi encaminhada a política de redimensionamento do pessoal técnico.
Mas a realidade é resultado de "múltiplas determinações" e dependendo da forma como agimos os resultados podem variar.
Felizmente, aí a fortuna, o resultado favoreceu a "boa causa" da UFPA.
É por isso que se soubermos aproveitar este momento histórico, se assim o quisermos podemos refundar a UFPA.
Para isso seria necessário:
* Firmar um compromisso pela universidade pública, gratuita e de qualidade.
* Garantir que não haja ingerência da nova administração nos processos eleitorais internos de cada unidade acadêmica.
* Garantir que não haja ingerência da nova administração nos processos eleitorais internos das entidades representativas da comunidade universitária.
* Busque um posicionamento suprapartidário focado nos interesses da universidade.
* Respeite à diversidade de idéias e posicionamentos políticos.
* Pacto contra a mediocridade: que os professores ensinem e pesquisem; que os estudantes estudem e aprendam e que os servidores cumpram com seus deveres no serviço público.
* Focar no papel histórico e no interesse social da instituição para além dos corporativismos.
* Que se coloque em ação um programa de mobilização cultural e de cidadania como forma de vencer a maré baixa da alienação e da superficialidade.
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FLÁVIO SIDRIM NASAR é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA e coordenador do Fórum Landi
Um comentário:
Esquisito o artigo do professor... Esse papo de refundação, como se se quisesse esquecer ou desmerecer o passado, sempre parece estranho. No caso, parece um profundo exagero, principalmente quando lembramos que , se, como mesmo afirma o professor, por "várias vezes na história recente da UFPA, (...) sindicalistas de resultados e estudantes oportunistas deixaram de lado as tradições libertárias de seus movimentos em troca de facilidades, isso se deu porque alguém oferecia facilidades. Quem seria(m) o(s) ofertante(s), professor? Quem contestou imediatamente o Reitor nas sucessivas vezes em que ele contestou as acusações, que em nenhum momento lhes foram feitas de modo frontal? É justo creditar a condução do processo, à virtude da coerência, finalmente alcançada por sindicalistas e estudantes, que, agora, não são mais "de resultados" e "oportunistas"? Os quadros da Universidade não mudaram tanto assim, professor. E, pelo que vejo, muito menos a velha a forma de agradar quem chega.
Fernando Bernardo
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