Leia, sob esse título, artigo do advogado Antonio Gonçalves publicado no Consultor Jurídico, antes da denúncia e da segunda prisão de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella.
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O Brasil, lamentavelmente, tem se notabilizado pela prática de crimes não apenas violentos, mas, também, de elevada comoção nacional. Foi assim num passado recente com o assassinato dos pais de Suzane Von Richthofen e com o menino João Hélio. Agora, outro acontecimento grave, ainda não elucidado, mobiliza uma vez mais as pessoas: o assassinato da menina Isabella Nardoni.
Os três crimes citados têm requintes de crueldade sem precedentes. E os três ocasionaram reações distintas da sociedade: no caso Suzane, a opinião pública desejava mais a prisão da menina do que dos irmãos Cravinhos, afinal, como uma filha pode matar os pais? Já no caso João Hélio se reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal. Por fim, no caso Isabella, os pais já foram presos e o sentimento de revolta por terem matado uma garotinha meiga e inocente é enorme.
Nesses casos, existe uma similitude que a população não percebeu, ao contrário fomentou: a mídia. O tratamento passional da notícia pela imprensa motiva a sociedade a uma caça às bruxas de forma deliberada, o que ocasiona um julgamento e condenação, antes mesmo da ação da Justiça.
Todavia, existe algo de errado nessa conduta? Ora, por incrível que pareça, no Brasil, existe uma determinação que todos são inocentes até que se prove o contrário: “Constituição Federal. Artigo 5°, LVII — ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
À primeira vista, a noticia fomentada, de forma passional, pela imprensa pode não produzir maiores danos, pois os meios de comunicação têm plena liberdade de ação, aliás, conferida pela própria Constituição Federal: “Artigo 5°, IX — é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
A imprensa, no anseio de prover uma solução à população, cria uma estratégia de fornecer a maior quantidade de detalhes possíveis para convencer o leitor, telespectador e o ouvinte de que o culpado, de fato, cometeu o crime. Foi assim com Suzane, Champinha, etc..
No entanto, existe um senão: quando a imprensa se manifesta e movimenta sua atenção para o suposto culpado, esse passa a figurar no imaginário da opinião pública como condenado, e não mais como suspeito. Tal fato é visceralmente contra o devido processo legal e os princípios do contraditório e da ampla defesa: “Constituição Federal. Artigo 5°, LV — aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Eis o momento em que as pessoas se insurgem contra o direito, porque a culpa transmitida e fixada pela mídia está disseminada no imaginário das pessoas de tal forma que ninguém admite que aquele suspeito possa “escapar impunemente”, quando, em verdade, ainda não foi determinado se o acusado é realmente culpado ou inocente.
O caso do assassinato de Isabella Nardoni é mais um exemplo típico do pré-julgamento errôneo da mídia, ou melhor, na busca desmedida em se encontrar um culpado.
O pai e a madrasta foram presos de forma precipitada, o que resultou na queda dos holofotes da imprensa sobre eles. Do instante da prisão até o indiciamento, a única notícia é que ambos são os assassinos. Conclusão equivocada e precipitada, já que, até o momento, o que houve de mais concreto foi o indiciamento dos dois. E o que é isso? Significa que a polícia os considera como principais suspeitos, ora, mas daí a serem considerados culpados e condenados existe um longo e tortuoso caminho.
O Código de Processo Penal é claro quanto à finalidade do inquérito policial: “Artigo 4° — A Polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
De tal sorte que cabe a autoridade policial elencar os suspeitos e reduzir essa lista ao máximo e, por fim, enviar o relatório ao Ministério Público. Somente nesse momento poderemos falar em processo, o que não significa dizer condenação, porque ainda caberá ao réu todo o procedimento de defesa. Movimento esse ignorado e desrespeitado pela imprensa ao promover uma culpa antecipada.
No caso Isabella, já existem veículos aventando quanto será o tempo de prisão para o casal esquecendo, claramente, que sequer considerados réus eles foram.
Agora, imagine se ocorre um julgamento no Tribunal do Júri? Os jurados são populares, ou melhor, pessoas do povo, que acompanharam todo o pré-julgamento da imprensa. Será possível a aplicação da imparcialidade?
Uma coisa é o relato dos fatos e a atribuição do crime com a respectiva pena, outra totalmente diferente é a formação deliberada de culpados pela mídia. E se, ao final do inquérito, surge um fato novo e um suspeito, até então ignorado, passa a ser considerado? A imprensa irá tratar o pai da criança como inocente ou o considerará como uma “pessoa de sorte”?
A mídia tem um papel fundamental que é o de informar, e não o de convencer. Esse cabe a um promotor e a um advogado que, por sinal, deverá ser muito hábil no caso Isabella, porque seu cliente já é irresponsavelmente considerado culpado.
Esses exageros e desmazelos são os mesmos que levam uma sociedade a considerar culpado um pai pelo assassinato da filha, mesmo antes da conclusão do inquérito policial.
Se for comprovado que ele foi o culpado e se a Justiça assim o entender, então aplaudiremos sua condenação, mas somente depois de transcorridas todas as etapas do devido processo legal.
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