A Folha de S.Paulo deste domingo publica, sob o título acima, o seguinte artigo assinado pelo embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, do Instituto Fernand Braudel de São Paulo e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
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"DESCOBRI que também eu era índio quando encontrei os ianomâmis. Tive depois profunda piedade ao ver a que lastimável abandono condenamos esses nossos irmãos brasileiros: sem alimentos, sem remédios, entregues à violência de garimpeiros e bandidos."
Não ouvi essas palavras comoventes de nenhum antropólogo ou idealista de ONG. Elas me foram ditas, 27 anos atrás, por um militar disciplinador, terra-a-terra, homem prático e sensato. Foi em Belém, na sede da 1ª Comissão Demarcadora de Limites, que seu então chefe, o saudoso coronel Ivonilo Dias Rocha, sertanejo cearense com cara de índio, me relatou sua experiência. Ele acabava de retornar de campanha demarcatória na fronteira do Brasil com a Venezuela, nessa Roraima do noticiário.
Como chefe do Departamento das Américas do Itamaraty e antes responsável interino pela Divisão de Fronteiras (ilustrada por Guimarães Rosa), lidei no dia-a-dia com as duas comissões demarcadoras, a de Belém-Manaus e a do Sul, da fronteira da Bolívia ao Chuí. Chefiadas por oficiais da reserva do Exército especialistas em topografia e medições, sempre estiveram sob o comando do Itamaraty.
Jamais ouvi sombra de queixa de nenhum demarcador sobre suposto entrave criado por reservas fronteiriças ao trabalho de demarcação ou inspeção das fronteiras. Boa parte de tal serviço se fazia com a indispensável colaboração dos conhecedores do terreno, os índios que serviam como guias, canoeiros, transportadores. O coronel Ivonilo teve a revelação de sua profunda identidade indígena ao ajudar e ser ajudado pelos índios na fronteira. Pertencia à tradição do Exército do marechal Rondon, positivista, neto de bororos, que preferia: "Morrer, se preciso; matar nunca".
Ao investir contra moinhos de vento de fantasista ameaça à soberania oriunda das reservas fronteiriças, os quixotes não vêem os crimes diários que se cometem contra a Amazônia e seus habitantes, caboclos ou indígenas. Centenas de milhares de quilômetros quadrados de biodiversidade florestal reduzidos a fumaça, dezenas de trabalhadores, índios, missionários assassinados por pistoleiros comovem menos que a compra de hectares de mata por alguma ONG estrangeira desejosa de proteger a natureza.
Os índios não têm a propriedade das reservas. Não podem vender ou alugar a terra; dela só possuem o usufruto. Já os grileiros que ateiam fogo para se declararem donos desejam a propriedade exclusiva e gratuita. Quase sempre para fins especulativos ou ações predatórias como a pecuária extensiva, que degrada e abandona os solos.
Em nenhum outro lugar se está tão próximo da frase de Proudhon: "A propriedade é o roubo". O próprio Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) declara que a situação fundiária da maioria das terras é irregular. É generalizado o esbulho praticado por particulares contra o que devia ser de todos os cidadãos. Às vezes, a única diferença entre diversos tipos de esbulho é sua antigüidade. Remontam alguns aos tempos em que terras devolutas eram distribuídas a políticos e desembargadores como brinde de Natal.
Não é preciso olhar debaixo da cama para ver se alguma sinistra ONG estrangeira está ali escondida. As ameaças à nação estão diante de nós: grileiros, incendiários, madeireiros ilegais, latifundiários, pistoleiros. A eles, senhores defensores da soberania nacional!
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