terça-feira, 15 de abril de 2008

Bispo solta o verbo


No AMAZÔNIA:

Um Estado em situação de ingovernabilidade, omisso diante da exploração sexual infantil e com forte presença do narcotráfico. O quadro descrito ontem pelo bispo do Marajó, dom José Luiz Azcona, em entrevista coletiva realizada em Belém, estende a todo o Pará a condição crítica observada no arquipélago. Em tom de indignação, o bispo, que está ameaçado de morte, fez pesadas críticas às diversas esferas do poder público, a quem considerou omissas com a região, apesar das freqüentes denúncias encaminhadas por entidades como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Criticou o sucateamento dos conselhos tutelares e destacou que os casos mais graves têm acontecido no município de Portel e afirmou que Breves 'é um antro de perversão' e de 'difícil convivência, por causa de crimes e falta de respeito com a mulher e o menor'. Nesses locais, diz o bispo, crianças de 12 anos se prostituem em troca de comida ou de alguns trocados, muitas delas estimuladas pelos próprios pais. 'Tenho que comunicar que não é uma problemática exclusiva da região do Marajó. Lá, está agravado', afirmou. 'Todo o Estado está tomado por essa execração que é a exploração sexual de menores.'
Outra área crítica destacada pelo bispo está localizada num trecho do Rio Tajapuru margeado pelos municípios de Breves e Melgaço. Meninos e meninas de 12 a 16 anos aproveitam o percurso das balsas para subir nas embarcações e se prostituir em troca de carne ou óleo de cozinha. Pelo rio Tajapuru passam cerca de 75% da mercadoria e transporte humano movimentado na rota entre Belém até Macapá. 'Essa vergonha pública ainda segue de modo intenso. Os prefeitos de Melgaço e Breves, o Ministério Público, todos conhecem (essa realidade). Ninguém mexeu um só dedo para arrancar essa abominação', diz o bispo. 'O Estado entrou numa situação de ingovernabilidade'. E acrescentou: 'Esta realidade de desfalecimento ético não só das famílias, como do poder público, tem que ser denunciada claramente.'
Por conta das denúncias que vêm realizando, outros dois bispos - dom Flávio Giovenale, de Abaetetuba, e dom Erwin Krautler, bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - também estão sendo ameaçados. Durante a 46ª Assembléia da CNBB, realizada no início do mês em Indaiatuba, São Paulo, a entidade divulgou uma nota de solidariedade aos bispos ameaçados. Existe uma proposta de que o documento seja encaminhado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e à Presidência da República.

Tráfico de seres humanos
O bispo do Marajó lembrou que há cerca de um ano e meio a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha que se dedicava à exploração sexual e ao tráfico de seres humanos através da Guiana Francesa. Nos arquivos da organização criminosa, a polícia descobriu que 178 mulheres - 52 delas apenas do município de Breves - inclusive menores, haviam sido enviadas ao exterior através do esquema. 'O responsável foi preso em Oiapoque. Apareceram seis advogados para tirá-lo da prisão. Isso indica o poder econômico de quem está por trás do tráfico de seres humanos', diz o bispo.
“No Aeroporto de Guarulhos, apreenderam uma menina de 16 anos, de Portel, quando ela embarcava para Madri. Ela mesma disse: ‘Não sou a única. Dentro de alguns dias vêm outras mulheres’.'
Em Portel, ele diz que já há dois anos uma audiência pública foi realizada para tratar do abuso sexual contra uma menina de 14 anos, que segundo o bispo teria sido praticado pelo madeireiro Roberto Lobato da Cruz, filho do prefeito da cidade, Ademar Terra da Costa. Em 2006, as denúncias do bispo motivaram a ida a Portel de representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. 'A Justiça ainda não aconteceu.' Ele diz, ainda, que o promotor do caso foi afastado por conivência. 'Ele pediu que elas (as menores) assinassem declaração de que tinham recebido 500 reais para mentir (que foram abusadas)', afirma Azcona.

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