segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mais por fazer do que comemorar


Não faz muito tempo, li em revista de circulação nacional que uma das mais respeitadas instituições educacionais do País celebra um feito extraordinário. A Universidade de São Paulo celebrará em 2011 o março de 100 mil dissertações e teses defendidas. O número impressiona. A maior universidade da América Latina conta com mais de 22 mil estudantes de pós-graduação, 53% deles, mestrandos e 47%, doutorandos. O ícone paulista é responsável pela formação de 25% dos doutores do Brasil e responde por igual porcentual da pesquisa realizada no País. É um dos carros-chefes para o acréscimo do número de mestres e doutores, objetivo-fetiche dos burocratas da educação, sediados na Corte.
Todavia, nem tudo é regozijo. Quando se trata de avaliar o academicismo da USP perante as melhores instituições internacionais, sua posição é incompatível com sua fama local. Claro, existem, dentro da instituição, conhecidas ilhas de excelência, porém o quadro geral é preocupante. É sempre bom lembrar que, no mundo da produção científica, quantidade não se traduz diretamente em qualidade.
Formar um número elevado de mestres e doutores, e publicar muitos artigos, podem com certeza agradar à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão federal que regula e avalia nossos programas de pós-graduação, mas não garante um lugar ao sol na praia cada vez mais internacionalizada da geração do conhecimento.
A campainha do alarme soou e vozes ilustres da própria instituição reconhecem o inquietante estado das coisas. Percebe-se que muitos trabalhos científicos são realizados apenas para atender à burocracia, e que é preciso melhorar a qualidade e, principalmente, o impacto da pesquisa realizada. Afinal, uma instituição de ensino superior não pode ser um sistema hermético, gravitando em torno de si mesma. Ela deve favorecer a sociedade a identificar e solucionar suas questões mais prementes e relevantes.
E outra: aqui as universidades privilegiadas em algum momento do passado, pressionadas a melhorar seus índices de formação e de produção científica, parecem ter emulado os princípios e técnicas de produção em massa. Enquanto o governo federal e os órgãos de educação apontavam a necessidade de formar mais mestres e doutores, grupos internos se organizavam para aumentar seu espaço na concorrida arena política universitária. Aí, da conjugação de interesses veio a implantação gradativa de um modelo do tipo fast-food, de produção e consumos rápidos. Infelizmente, e é bom lembrar, que um sistema que funciona bem para montagem de fogões, geladeiras e lanches rápidos pode se mostrar pouco efetivo na área de educação e da geração de conhecimento.
A campainha do alarme soou novamente e jovens são pressionados a produzir em série, a levar suas criações a congressos de magra audiência e veiculá-las em revista de parca relevância. O processo tem início com a atração de noviços. Esses jovens compõem uma fauna variada. Há, entre eles, moços e moças com real aptidão para pesquisa. Juntam-se a esses os alpinistas acadêmicos - falta-lhes raciocínio lógico e analítico e, frequentemente, domínio adequado da língua pátria -, a perseguir um título que lhes confira maior valor no mercado. Poucas dessas dissertações e teses servem para desenvolvimento teórico ou aplicação prática. Seu destino é mofar nos depósitos das universidades locais: as bibliotecas.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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