segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Tarantino, o cara que dá dignidade aos nossos piores instintos


Olhem só.
Com a licença da máxima de Roberto Jefferson, e já parafraseando-o, Quentin Tarantino, com seus filmes, desperta em nós os nossos piores instintos.
Falando sério: quem aí já não tomou conhecimento de situações de selvageria e sentiu uns arrupios de vingança, tipo assim olho por olho, dente por dente?
Falem sério: quem aí, diante de situações escabrosas, como a de selvagens que estupram filhas na frente dos pais durante um assalto, por exemplo, já não pensou que o melhor castigo seria cortar os órgãos genitais do estuprador e jogá-los aos porcos ou enfiar na boca do próprio estuprador?
Sim, a vingança é um sentimento repulsivo.
Fazer justiça com as próprias, idem.
Uma coisa, no entanto, é a racionalização como fator que contribui para inibir a eclosão dos nossos piores instintos.
Outra coisa, bem diferente, é dizer-se que, diante de situações-limite de selvageria, o agredido, caso sobreviva, fique imune de vir-lhe à cabeça, ao espírito, à alma a gana de fazer com o agressor a mesma coisa que o agressor, selvagemente, lhe impôs.
Pois é.
Nos filmes de Tarantino, como Django Livre, não há conversa fiada.
Não há papo furado.
Nem rodeios.
E muito menos lero-lero.
Não há.
Em Django Livre, o selvagem é tratado como selvagem.
O cara que põe a sua vítima de cabeça pra baixo e se reserva o prazer de, mais tarde, voltar para decepar-lhes os órgãos genitais é aquele que, implacavelmente, sem papo furado, sem discursos, sem rodeios, sem justificativas, vai morrer com uma bala entre as pernas.
Tarantino, em sua linguagem em que a mordacidade é capaz de tornar a maior das selvagerias plenamente palatável, a ponto de despertar o riso - para não dizer gargalhadas - entre os espectadores, não avisa quando vai matar.
Ele já matou.
Em Django Livre, as imposições morais de uma época em que facínoras eram procurados "vivos ou mortos" prevalecem diante das particularidades de um sistema judiciário que tornava legal a execução dos procurados, desde que tivesse amparo em pronunciamentos judiciais expressos em cartazes, em panfletos que circulavam entre os "caçadores de recompensas".
Em Django Livre, os espectadores não estão muito preocupados se o Dr. King Schultz (numa interpretação magistral, soberba de Christoph Waltz) está munido de um mandado judicial que o autoriza a capturar os senhores selvagens da escravidão vivos ou mortos.
Eles, nós, que assistimos àquelas cenas, queremos mais é que o dr. Schultz meta logo uma bala na cabeça, no joelho, seja onde for, mas meta uma bala de preferência na cara do cara que praticava atrocidades sem fim. É a imposição moral que o recomenda.
Em Django Livre, ninguém está preocupado se Django (também numa interpretação antológica de Jamie Foxx) tem um transitório poder legal de acabar com a vida de bárbaros que barbarizavam os negros.
Nós, que o assistimos, queremos logo que faça com os bárbaros o mesmo que os bárbaros faziam. É a imposição que, digamos assim, dá uma certo suporte ético aos nossos piores instintos.
É emblemática, neste sentido, uma cena em que Django está mirando o alvo, mas refuga, se retrai, parece que se recusa a atirar.
Dr. Schultz pede que ele baixe a arma e oferece a, como diríamos, ficha corrida do alvo a ser eliminado. Descreve os seus crimes. Relata as barbaridades que praticou. Feito isso isso, Django, como se expurgado de seus melhores instintos, deixa aflorar os seus piores e atira.
Atira e mata.
Pummm!
Mais um selvagem morto.
É isso.
Meus caros, não façamos nunca, jamais, em tempo algum como o Dr. King Schultz e Django  fazem no filme de Tarantino.
Mas, meus caros, não sejamos hipócritas de dizer que, por dentro, não nos regalamos, quase nos extasiamos com a linguagem direta, sem rodeios, sem rebuscamentos como a que se vê em filmes como Django Livre.
Um filmaço.
Em tudo e por tudo, a cara de Tarantino, que é o cara.
Vão logo assistir Django Livre.
Antes que vá embora de Belém.
Porque em Belém, vocês sabem, os bons filmes vão embora antes de chegar.

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