segunda-feira, 8 de março de 2010

O nebuloso José Dirceu


Com o jogo eleitoral em curso, cresce no governo a ansiedade para desatar os nós que emperram as obras do governo. Nestes oito anos de governo, o presidente Lula precisou estabelecer alianças e tomar decisões que atendessem o interesse da maioria. Isso pode prejudicar a imagem o partido? Os petistas mais sentimentais ficaram um pouco frustrados. Mas a grande maioria do PT não está frustrada. A imensa maioria quer é continuar governando, quer eleger Dilma e quer de volta o Lula, se for possível. A imensa maioria dos petistas sabe que governar significa fazer acordo, fazer concessões e não só com partidos políticos, mas também com parlamentares.
Esse raciocínio acima é do ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que volta a frequentar o noticiário tanto por seus negócios quanto pela aparente recuperação da influência política. Dirceu fez um retorno triunfal à cena política durante o 4º Congresso Nacional do PT, encerrado no penúltimo domingo de fevereiro passado. Distribuiu afagos e simpatia, posou para fotos com militantes e foi ovacionado pela platéia, ao ter seu nome citado pelo presidente Lula em seu discurso.
Ao que tudo indica, a história do planalto à planície mostra uma trajetória de Dirceu que pouco - ou nada - recomenda, desde a posse de Lula em 2003.
Resumindo.
Em fevereiro de 2004, a mídia revela uma gravação do fim dos anos 90 em que Waldomiro Diniz, assessor de Dirceu, pede propina a um empresário. Em abril do mesmo ano, numa reunião, Nosso Guia defende Dirceu e o chama de "capitão do time" de ministros do governo. Em junho de 2005, o deputado Roberto Jefferson, acusa Dirceu de liderar um esquema de distribuição de dinheiro para os deputados, o mensalão. Pressionado, Dirceu renuncia ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil e retorna à Câmara dos Deputados.
Querem mais? Vamos lá.
Em dezembro de 2005, a Câmara aprova a cassação dos mandatos de Dirceu e Jefferson. Eles perdem os direitos políticos por oito anos. Em agosto de 2006, Dirceu lança um blog para dar palpites sobre decisões do governo, ações da oposição e o noticiário político. Começam a surgir notícias de sua atuação como consultor.
Ufa! Querem mais? Vamos lá.
Em agosto de 2007, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, aceita denúncia contra Dirceu e outras 39 pessoas acusadas de envolvimento com o mensalão. Em janeiro de 2008, em interrogatório na 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Dirceu nega todas as acusações do processo que tramita no STF. Pergunta-se: porque só o de José Roberto Arruda, tramitou com certa rapidez?
Mas, convenhamos.
Dirceu nada mudou.
Absolutamente nada.
Dirceu terá um papel importante na campanha de Dilma à Presidência, oficioso ou oficial, mesmo porque desde janeiro voltou a integrar o Diretório Nacional do PT e indica três aliados para a Executiva. No congresso do partido, não escondeu de ninguém sua intenção de participar. "Antes não era do Diretório Nacional, agora, sim. Vou ter um papel oficial na campanha de Dilma, mas ainda não sei o que é". E anunciou: "Fiquei na clandestinidade por dez anos. Meu tempo de clandestino acabou".
Dirceu viu-se envolvido numa denúncia que fez ressurgirem as dúvidas sobre suas reais relações com o governo Lula. Seria um assessor presidencial fora da folha da Corte, espécie de eminência parda do governo? Recebe ou não missões oficiais? Faz lobby ou tráfico de influência?
Na última semana de fevereiro, a Folha de S.Paulo insinuou ter a resposta à última destas perguntas com uma reportagem que acusa Dirceu de ter recebido R$ 620 mil por uma consultoria prestada à Eletronet, empresa que seria beneficiada pela reativação da Telebrás dentro do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) do governo.
Em seu blog, Dirceu acusou a Folha de S.Paulo de fazer oposição ao PNBL - o grupo é dono do portal UOL - e de querer atingir a candidatura de Dilma. Disse ainda que a consultoria que fez ao empresário Nelson dos Santos, da Eletronet, referia-se a outro assunto. Dirceu só não desmentiu o valor recebido de Santos, os R$ 620 mil citados na reportagem.
O ressurgimento de Dirceu, como dublê de político e consultor de empresas, expõe o lado nebuloso do discurso a favor do "Estado forte" de Dilma - valendo-se de conexões no PT e no aparelho estatal, mantidas na mesma obscuridade das cláusulas de confidencialidade dos contratos de consultoria. As notícias sobre sua atividade política-empresarial incomodam a Corte, mas o comando da campanha de Dilma trata de manter uma boa relação com ele por causa do PT.
Jogo no pano. Coloquem suas fichas. Vamos lá.
Zé Dirceu mantém sigilo sobre as empresas que contratam seus serviços. Já esteve relacionado com o bilionário mexicano Carlos Slim, dono da Telmex, e, mais recentemente, acompanhou de perto, em Lisboa, a compra da cimenteira portuguesa Cimpor pela Votorantin. E pasmem, até para o bloco Olodum ele atuou.
Nosso Guia frita o peixe com o olho no gato. Lula aprova ou não as investidas do companheiro? Parece que não vê com bons olhos. Lula já declarou, só no ano passado, a vários interlocutores que ele e Zé Dirceu nunca foram amigos, apenas parceiros de política. Ah!
Mas a realidade é bem outra, e esse é o motivo da preocupação de grande parte dos petistas. Dentro do partido, obviamente ele continua a ser uma referência. Mais do que isso, o ex-ministro mantém, no PT e no governo, um grupo de aficionados conhecido como PZ, o Partido do Zé. Na administração do Nosso Guia, trata-se de funcionários de segundo e terceiro escalões que o manteriam abastecidos de informações. Todos sabem que ele possui uma rede de informações poderosa.
Queiram os petistas, ou não, o ex-ministro, em sua reaparição, causou um tremendo incômodo à Corte. Mas é pouco provável que ele, Zé Dirceu, conhecido pelo desejo ardente do protagonismo, se conforme com o papel de coadjuvante. O perigo não mora ao lado. Está ao lado. Alguém duvida? Jogo no pano. Façam suas apostas.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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