sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Belém: avanços e recuos


Próximo de completar 400 anos, Belém é uma cidade marcada por avanços e retrocessos. A um século da belle époque, o charme da velha cidade ainda resiste em meio a arranha-céus imponentes, que rápido vão escondendo a linha do horizonte nos bairros nobres. Mas nem tudo é harmonia: vivemos em uma cidade sufocada cuja estrutura, sem a devida atenção do poder público nos últimos anos, nos remete fatalmente à figura lendária de Antônio Lemos. É de seu governo que nos vêm ainda os principais traçados que elevaram a capital ao vencido título de Metrópole da Amazônia.
Avanços há, certamente. Um dos mais notáveis foi a revitalização de prédios históricos e a construção de outros espaços na orla da cidade. Feliz Lusitânia, Mangal das Garças, Estação das Docas, Ver-o-Rio e a urbanização da Duque de Caxias são bons exemplos. Palmas também para o Centro de Convenções da Amazônia e para o complexo viário em construção na Sacramenta. Obras importantes, mas ainda tímidas perante o aglomerado humano que a cidade enfrenta.
Dentre os maiores recuos, temos o transporte público. Saturada, a cidade foi invadida pelo transporte alternativo. Linhas convencionais não dão conta mais de conduzir a população. O caminho entre casa e trabalho foi multiplicado, enquanto algumas lotações insistem em velhos itinerários. Essa deficiência é mais sentida entre a população pobre, cuja moradia obedece a um movimento de repulsão em relação ao centro da cidade. São os moradores das invasões, das ruelas, dos inúmeros condomínios populares que se reproduzem a mil no entorno da capital. O recuo está na falta de planejamento do poder público, que parece ignorar os números do Censo.
Igualmente grave é a condição da maioria desse transporte alternativo. De uma hora para outra, veículos sem a menor condição de trafegar tornaram-se vitais para meia Belém. A cena é de causar calafrios: carros sem porta arremessando pessoas para a morte, veículos superlotados, pedestres atravessando perigosamente vias movimentadas, bicicletas de todas as direções, mototáxis, ônibus avançando semáforos... são o retrato diário. Ao olhar o caos, imagino que logo teremos carroças.

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“Belém é quase uma ilha, mas pouco contemplamos dessa paisagem. A cidade está sitiada.”
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Retrocedemos séculos. Os bondes eram mais eficazes. Um terrível recuo.
Outro recuo sério e visível, ou melhor, invisível é a orla da cidade. Belém é quase uma ilha, mas pouco contemplamos dessa paisagem. A cidade está sitiada. Governantes brasileiros que ignoram o princípio da continuidade da Administração Pública permitiram a ocupação. E continuam ignorando. Aqueles que detêm o poder de império, a potestade, não conseguem devolver à população o que lhe pertence. Sejam terrenos de marinha ou da Marinha, como alguns confundem, não há diferença concreta. Belém, a Cidade das Águas, não consegue enxergar seu rio livremente, só sente o cheiro dele, quando a chuva vai buscar um pouco do manancial para deixar mais perto da gente. Esse é o rio que vemos, muitas vezes transbordando esgotos, invadindo casas, alagando ruas.
Olhem a Escadinha! Dizem que ali temos um belo pôr do sol. Mas Belém está de costas para ela. O sentido do trânsito da Presidente Vargas esconde mais esse paraíso da gente. Para vê-lo, você precisa olhar pelo retrovisor ou colocar o rosto para fora da condução. Por quê? Imagine um passeio de carro por essa nova avenida. A gente vem admirando a cidade desde a Praça da República. Lá do alto, avistamos o majestoso rio. Que cena! Belém merece esse presente na comemoração dos seus 400 anos. Faria a gente relevar outros recuos.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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