domingo, 19 de outubro de 2008

O império não perdeu a força

Os Estados Unidos são um país notadamente perseguido pela fatalidade. Bush, na semana passada, estava cabisbaixo depois do apelo pelo socorro financeiro. Quando este veio e a economia davam ares de recuperação, ficou otimista. É ilusão imaginar que os EUA terão o mesmo destino de Roma. Um ministro israelense fez recentemente dois comentários interessantes durante uma conferência em Washington.
A atual crise financeira, segundo ele, está abalando a percepção do poderio americano quando se trata de lidar com problemas como o programa nuclear iraniano, as aventuras russas e a crescente ameaça do Hamas e do Hezbollah. Vários atores em todo o mundo olham para os Estados Unidos e vêem um gigante paralisado. Isso reduz os incentivos para fazer concessões a Washington.
Esse problema é real, assim como o sentimento adicional de quem passou alguns dias nos Estados Unidos. As dificuldades econômicas americanas não são tão aparentes quando vistas de perto, em comparação com a cobertura sensacionalista da Imprensa no Exterior. Até agora, a Main Street - a economia real - demonstra uma surpreendente resistência diante dos problemas de Wall Street - o setor financeiro. Mesmo que a economia acabe sucumbindo à recessão, como agora parece mais provável, ela vai se recuperar logo. Sempre se recuperou.
Já houve muitas crises no passado - a estagflação e as disparadas do preço do petróleo na década de 1970; o colapso da poupança e do crédito e o aumento dos déficits comercial e orçamentário na década de 1980; a explosão da bolha das pontocom e os ataques terroristas do começo da década de 2000 -, o que levava muitos observadores a prever que os Estados Unidos em breve teriam o mesmo destino de Roma.
O que os pessimistas ignoram é que os fundamentos da economia dos Estados Unidos permanecem fortes. Na verdade o Fórum Econômico Mundial qualificou os EUA como a economia mais competitiva do mundo nos últimos dois anos. As estatísticas mostram que desde 1980 o produto interno bruto per capita americano cresce consistentemente de forma mais rápida do que em outras economias desenvolvidas.
E também permanecerá intocada outra estatística vital: o crescimento populacional - a taxa de fertilidade média é atualmente a maior entre as grandes economias industrializadas. Os Estados Unidos estão acima do nível de reposição, enquanto Europa, Japão e outras economias industrializadas há muito tempo estão abaixo. Isso significa que, enquanto os principais competidores dos EUA terão de lidar com uma população mais grisalha, uma queda na produtividade e um aumento dos gastos previdenciários, a população americana permanecerá relativamente jovem e vibrante, a despeito da aposentadoria da geração do baby boom. Essa vantagem é amplificada pela capacidade de atrair e integrar imigrantes trabalhadores de todo mundo.
Os Estados Unidos parecem desmoralizar os cânones ortodoxos da economia, mexendo com as emoções alheias, pisando em terreno desconhecido com os olhos vendados. Mas tudo leva a crer que a sorte está sempre ao seu lado. Vai precisar se empenhar muito, se quiser alcançar algo. Terá que arcar com um ônus muito grande: a responsabilidade. Mas a lição tem outros temperos: paciência e persistência.
Os americanos não têm mais a crença de que o futuro será decidido por corretores de títulos ou por bancos de investimentos - instituições gigantescas que mais se parecem com bestas mitológicas. A pergunta fundamental não é "como o socorro temporário deve acontecer?", e sim "o que a crise vai ensinar"? A resposta é: muita coisa. A crise coloca os Estados Unidos diante de uma oportunidade única de reavaliar os fundamentos da segurança das grandes instituições financeiras, que sempre foram encaradas como parte indissociável da paisagem econômica local. Em meio à turbulência, as evidências praticamente asseguram que os bancos de investimentos também podem quebrar ou estar com os dias contados.
Diante do histórico de recuperação dos Estados Unidos, seria tolo menosprezar suas perspectivas com base na recente turbulência. O dinheiro inteligente permanecerá "otimista com a América", mesmo que esse fosse o slogan do banco Merrill Lynch antes de sua derrocada.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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