domingo, 12 de outubro de 2008

Retrato de uma crise

A semana que se iniciou é catastrófica. As bolsas de valores, sejam americanas, européias, asiáticas e até a nossa Bovespa, fecharam em queda, como se fora um comportamento de manada - esse estouro nas pradarias americanas é por conta do ministro da Fazenda Guido Mantega. O Banco Central diz que temos recursos para enfrentar a crise e que os reflexos ainda não vão nos colocar em recessão. Os bancos estão com as carteiras de crédito praticamente fechadas. As oscilações de declínio das bolsas nos fazem entender que cresce o risco de recessão.
Agora, numa demonstração de ufanismo pueril, Nosso Guia acha que o Brasil vai passar incólume pela crise - não sei qual o oráculo oportunista por ele consultado. A todo, o momento somos surpreendidos pela mídia a nos sufocar com números e dados que não podem ser ignorados e indicam que Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, deve elevar mais o tom de sua voz prudente para abafar os gritos que vêm do areópago otimista do ministro da Fazenda.
Na verdade, acredito no bom senso das pessoas que entendem a se manifestar no atual panorama econômico. Às vezes, fico meio sem jeito para tratar de certos assuntos, achando que vou repetir coisas que todo mundo sabe. A informação é importante para contextualizar o caso americano. Sobre isto, já existe uma robusta historiografia financeira. É bom saber que o espaço, é certo, impõe limite. Mas sobram nesta ciranda das finanças detalhes desnecessários. Deveriam ser mais diretos e objetivos.
A economia mundial sofreu um duro golpe esta semana. Temos um mercado irreal, de papéis podres, e significa que todo mundo está pessimista. No melhor cenário, se assim podemos chamar, ainda estamos cercados de muita incerteza. Mesmo após o detalhamento do plano e sua aplicação imediata, ainda assim há estragos que não podem mais ser corrigidos. A economia americana está em recessão e com um déficit fiscal crescente. A recessão é perigosa porque reduz arrecadação, o que aumentará ainda mais o déficit. O volume dos recursos necessários para resgatar o mercado pode ainda ser maior.
Não é todo dia que uma superpotência se oferece para passar o posto de país de primeiro mundo. Os tigres asiáticos, principalmente a China, estão de olho nesse pódio. Já perceberam que o outrora todo poderoso USA afundam num redemoinho de catástrofes e colapsos financeiros. Com certeza, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) gostariam de lhes dar as boas-vindas. Será uma grande satisfação responder à solicitação de uma avaliação conjunta da estabilidade do setor financeiro de seu país apresentada pelo Departamento do Tesouro americano.
Em tempos de turbulências, esses dois gigantes integrantes da "velha-guarda" financeira querem oferecer serviços que vão de empréstimos subsidiados a consultores especialistas loucos para dar uma recauchutada de emergência em todos os níveis do governo americano. Tudo leva a crer que já está mais do que na hora de realizar uma intervenção externa na sua economia. Esperam que suas avaliações e sugestões de mudança não os deixem constrangidos. É bom lembrar: muitos países passaram por isso. Já salvaram a economia da Argentina, da Indonésia, da Coréia do Sul e do Brasil.
Agora chegaram as conseqüências. A desigualdade social aumentou, já que os ricos obtiveram lucros inesperados e a classe média viu sua renda estacionar. Cada vez menos cidadãos têm acesso a moradias a preços acessíveis, assistência médica ou aposentadoria. Até a expectativa de vida diminuiu. E, no momento em que suas feridas econômicas passaram do estágio crônico para a fase aguda, rebateram - Ah, sim. Observem a palidez cutânea do Tio Sam contida em uma moldura de tom pastel - à semelhança de tantos países do Terceiro mundo.
Está na moda achar que a crise de Wall Street representa o fim do capitalismo americano. Não é. É claro que o quase colapso do sistema financeiro do país e a súbita e colossal intervenção das autoridades para escorar a economia representa uma guinada na história da nação. Mas lançar um pacote de socorro financeiro é uma solução totalmente americana - e é bem provável que ela conduza a dias melhores.
Os Estados Unidos estão, portanto, em busca de algo verdadeiramente confiável e devem estar abertos à possibilidade de um novo arranjo - uma democracia financeira mais sólida capaz de restaurar a confiança da população. A crise atravessada hoje não é um prenúncio do fim do capitalismo americano, mas pode representar um salto decisivo em seu processo evolutivo.
Enquanto isso, o mundo se pergunta: Até quando vai durar esta crise?

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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