domingo, 2 de março de 2008

A mão-de-ferro do caribe oxidou-se



A maior ilha do Arquipélago das Grandes Antilhas tem uma nova história para contar. Mesmo velho e doente, o mais antigo ditador do mundo escolhe a hora e a forma de deixar o poder. Agora, Cuba tem pela frente o desafio de escolher um futuro de reformas ou aferrar-se ao modelo comunista instalado há quase 50 anos. Esta ilha caribenha tornou-se o epicentro de um furacão mundial, com tremores de alívio e tristeza sentidos em todos os continentes. O ciclone leva o nome de Fidel Castro, de 81 anos, 1,91 metro de altura, o maior sobrevivente da história política mundial.
O comunista Fidel Castro, chefe da revolução de Sierra Maestra, escapou de 638 tentativas de assassinatos, nas contas do regime cubano. Teve contra si dez presidentes americanos e cinco papas. Dono de um carisma irrefutável, prolixo, barbudo e amante de charutos, Fidel era o chefe de governo mais antigo do mundo até o dia 19 de fevereiro, que entrará para a história, quando ele decidiu deixar a presidência após 49 anos para se tornar, como escreveu em sua carta aberta, “um simples soldado no campo das idéias”.
Sua renúncia abriu um riquíssimo debate sobre o abismo entre os sonhos e a realidade da revolução que somente em sua segunda tentativa, já ao lado de Ernesto Guevara, conhecido como Che, conseguiu seu intento. O guerrilheiro argentino ajudou Fidel Castro, ainda no México, na formação de um movimento revolucionário chamado Movimento 26 de julho, iniciando em Sierra Maestra, uma luta contra Fulgêncio Batista, à época presidente da República, e que durou 25 meses. Em novembro de 1958, Che começou sua marcha para Havana, que foi tomada em 31 de dezembro de 1959, e em 1 de janeiro de 1960, Batista põe-se em fuga.
Com a vitória do movimento revolucionário, Fidel Castro assume o poder. Iniciaram-se neste momento as chamadas prisões de Cabaña e de Santa Clara. Houve então a execução em massa dos opositores ao novo regime ditatorial que se iniciava. Foram organizados tribunais revolucionários (de exceção, para pronunciar condenações), onde milhares foram condenados e a seguir fuzilados. A violência do regime atingiu a todos. Até Che Guevara sentiu-se traído, demitiu-se do governo, renunciando a todos os cargos no partido e na elite revolucionária cubana. Fidel era agnóstico, depois se tornou marxista ortodoxo, provavelmente pela dependência soviética, cometeu muita barbárie em nome da revolução.
A surpreendente transferência provisória do poder do presidente cubano, já com 80 anos, para seu irmão Raúl Castro, em agosto de 2006, quando foi submetido a uma cirurgia intestinal, gerou especulações sobre seu verdadeiro estado de saúde que continuam até hoje. As evidências sugerem que seu irmão Raúl Castro (eleito presidente) ou algum dos homens fortes da ilha teriam autonomia para abrir a economia de Cuba, seguindo o modelo adotado pela China, que mantém a censura e o controle político inalterado. Será que a liberdade de expressão em Cuba deixará em algum momento de ser vista como golpista, burguesa e anti-revolucionária? Como se comportará Cuba, após meio século de ditadura? O que acontecerá com o embargo americano, em vigor há quase 46 anos?
Os abalos provocados pela renúncia de Fidel se fizeram sentir na campanha para as eleições nos Estados Unidos. Com mais de 1 milhão de cubanos exilados no país, a maioria na Flórida, os pré-candidatos democratas Barack Obama e Hillary Clinton, mesmo relutantes, foram impelidos a reagir. Obama se disse favorável à suspensão do embargo comercial a Cuba; e Hillary preferiu defender o relaxamento gradual do bloqueio. Cuba parece um país indiferente à mudança, apenas uma chama atenção: a mão-de-ferro do Caribe oxidou-se.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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