segunda-feira, 27 de abril de 2015

Oportunidade histórica desperdiçada


A História, queiramos ou não, é vista por dois lados. Atualmente, tanto fixações anti-imperialistas quanto patriotadas triunfalistas perderam seu poder de atração, o que abriu espaço para uma reflexão mais ponderada sobre conflitos e para uma rodada de revisões históricas realizadas pelos países envolvidos em guerras ou em dificuldades diplomáticas. Por outro lado, o pensamento marcado pela Guerra Fria e pela aversão tanto ao imperialismo americano quanto a tudo o que remetesse ao mundo militar deu forma à visão de que os países aliados teriam sido meros joguetes dos interesses imperialistas. Atualmente, a paz está de novo em risco.
O governo Barack Obama corre o risco de desperdiçar o pré-acordo com o Irã. Foi obrigado a aceitar um projeto de lei, apoiado por alguns democratas, que o obriga a submeter o texto de acordo definitivo com Teerã ao Congresso e retira seu poder de levantar sanções sem a aprovação do Legislativo. Aplaudido por Israel, o recuo põe em risco as chances de tratado definitivo. Ao mesmo tempo, a suspensão pelos russos da venda de mísseis antiaéreos avançados S-300 ao Irã, decretado em 2010 sob pressão do Ocidente e da ONU, foi revogada pelo cossaco Vladimir Putin. Capazes de interceptar bombardeiros modernos e mísseis de cruzeiro, os S-300 (na foto) tornariam muito mais difíceis quaisquer ataques às instalações nucleares e reduzem o poder de pressão de Washington e Tel-Aviv sobre Teerã.
Nas Américas, por ignorar o ponto de vista do Sul sobre intervenções, Obama pouco proveito tirou da reconciliação com Cuba. Nos planos da Casa Branca, a Cúpula das Américas de 2015 deveria ter sido um grande feito de relações públicas, no qual Obama receberia congratulações por finalmente estender a mão a Raul Castro e dar por encerrado o anacrônico isolamento de Cuba. Contudo, a poupança de boa vontade acumulada ao desafiar a direita republicana e a velha geração de cubano-americanos foi desperdiçada com as sanções à Venezuela, com o pretexto surreal de tachá-la de "ameaça extraordinária e inusual à segurança dos Estados Unidos".
O mais notável foi o governo de Washington parecer ter sido mesmo apanhado de surpresa pela reação unânime dos seus vizinhos do Sul e das organizações que os reúnem, a Unasul, a Celac e Alba. É como se, embalados pela própria retórica, os diplomatas do governo não percebessem como ela soa vazia a quem ouve do outro lado do Rio Bravo. Desde 1950, o Pentágono e a CIA intervieram pelo menos 20 vezes na América Latina para derrubar governos que não lhes agradavam, em uma lista não exaustiva do Washington Post. Nem sempre com sucesso, como ilustraram mais espetacularmente os fiascos da Baia dos Porcos em Cuba de 1961 e do golpe antichavistas de 2002.
Com uma conjuntura internacional desfavorável à América Latina e quase todos os governos de centro-esquerda debaixo de assédio político de oposições e mídias visivelmente aliadas a interesses empresariais dos EUA, nenhum deles tem dúvidas sobre de qual lado do Caribe está a verdadeira ameaça. Por enquanto, quem dá as cartas é Obama, e sua política de combinar chicote e cenoura na tentativa de cooptar os governos latino-americanos neste momento de fragilidade generalizada. Se a meta era dividi-los e isolar a Venezuela, os resultados não foram os esperados. Como também a agenda econômica e comercial pode ter compensado em parte o contratempo.
Obama tem feito avanços, o problema é que em oito anos não tem como acabar com guerras, regimes que eram praticamente inflexíveis, entre outros. O que ele fez refletirá apenas no futuro, mas boa parte do povo infelizmente enxerga só as coisas imediatistas e ruins. É mais fácil levar armas do que democracia para um país que convive com um regime ditatorial há décadas. A tarefa de reaproximação de Cuba com os EUA depende muito mais do entendimento da oportunidade histórica pelos irmãos Castro do que da diplomacia e carisma de Obama.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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