quarta-feira, 22 de abril de 2015

Nosso único modelo



Temos um único modelo para investigar céus e terra. Embora concordemos que os mundos materiais e espirituais sejam incomensuráveis, não temos como os investigar além do nosso modelo isolado. Sim, o nosso único modelo parte de nós mesmos, do nosso corpo, da nossa vida, da nossa percepção limitada dos cinco sentidos.
Comecemos pela nossa concepção de vida: ela existe a partir do mesmo ensaio do qual resultamos. No máximo, a ciência adota padrões aceitáveis para declarar a possibilidade de vida noutros lugares além da Terra. Ouvimos hoje falar muito sobre zonas habitáveis dentro e fora do Sistema Solar. Essa classificação implica a mantença das mínimas condições conforme a nossa ótica. Existem alguns materiais e algumas condições que, ausentes, deixam a ciência cega para acreditar em vida fora dos nossos modelos.
Até agora, o máximo que conseguimos na produção cinematográfica foi deformar o nosso modelo. ETs representam sempre figuras bizarras. O homem tenta casar esses protótipos com um grande salto sobre a inteligência humana. ETs são horripilantes – note quanto estou apegado ao único modelo –, todavia, possuem faculdades extrassensoriais que os afastam de nós anos-luz.
Não estamos preparados para encontrar outras formas de vida, caso existam. Toda a nossa ciência acontece debaixo do nosso telhado. Ainda não abrimos a porta do conhecimento e, ao que tudo indica, jamais pisaremos o terreno do desconhecido. Não pisaremos porque não sabemos onde fica. Não pisaremos porque isso poderia implicar, cognitivamente, um desmonte de toda a nossa civilização.
É impressionante que ainda não tenhamos um modelo definido de Universo. Para alguns, o Universo é finito, algo pulsátil, que vai chegar a uma barreira de contenção em seu constante afastamento em relação ao seu centro e ser empurrado de volta para o ponto inicial. Para outros, as estrelas seguirão a marcha da morte, irão afastar-se indefinidamente até que se apague a última luz. Então o Universo não tem fim, não tem algum campo de contenção, jogando por terra a teoria do Big Bang. O mais impressionante, contudo, é que, mesmo nesta marcha indefinida das estrelas, alguns cientistas trabalham com a possibilidade de existência de universos paralelos, sistemas outros além do próprio Cosmos. A dificuldade está na nossa base experimental, pois o modelo é único.
Ninguém em sã consciência pode negar a existência de Deus. Ora, se o nosso leque de conhecimento sideral ainda não foi aberto, o que dizer de valores espirituais, que estão em outro campo do conhecimento e que não seguem às leis físicas do Universo? Aqui, o melhor é duvidar. A dúvida, neste caso, é a melhor sabedoria e prudência que todo homem pode ter. Se o nosso único modelo não nos permitir afirmar a existência de um supramundo, muito mais difícil será negá-lo, pois negar a existência de algo implica ter limpado o armário e nada ter encontrado. E ainda não saímos do lugar.
Quando lemos as Escrituras, imediatamente o nosso único modelo entra em evidência. Anjos, demônios e o próprio Deus adquirem atributos humanos. Descrições do Céu e do Inferno são representativas da vida na Terra. Têm água e fogo. Ruas. Praça. Rios. Árvores. Prêmios. Tribunais. Choro. Alegria. Aí entendemos que a própria Divindade utiliza o nosso único modelo para falar conosco. E, nós outros, utilizamos esse protótipo para compreender o que deve existir além das estrelas.
Alguém já me perguntou se, sendo cristão, acredito em vida extraterrestre. “Claro!”, respondo. “Deus não é deste mundo, nem Jesus, conforme ele bem frisou”. O primeiro mundo extraterrestre em que acredito é o próprio Reino espiritual de Deus. Depois, quem sou eu para afirmar que não existem outros mundos habitáveis. Costumo responder que não me meto em assuntos do Criador, mas apenas em assuntos da criatura. Minha fé sobre a existência ou não desse mundos é completamente ineficaz. Nula. Aliás, esse assunto não está contido no bojo do que me é reservado a crer em matéria de Evangelho, é outra pauta.
Incomodados, alguns objetam que, em havendo outros mundos, Jesus precisaria fazer uma escala de morte e ressurreição em cada um deles. Ah! Como o nosso pensamento está restrito a este único modelo.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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