quarta-feira, 5 de setembro de 2012
A inteligência dos mandamentos
Não é tarefa simples. Os mandamentos cristãos estão vestidos de religiosidade. À primeira vista, pertencem ao campo transcendental do conhecimento. Exclusivamente. Porém, um olhar investigativo enxergará o que poucos veem: os mandamentos são normas de inteligência, que têm pouco de religião e muito da vida comum.
Para você chegar rápido a essa conclusão, basta olhar os modernos códigos humanos. O hemisfério cristão copiou o Decálogo. O assunto é tão importante que enche as nossas estatísticas. Toda hora, ouvimos o Brasil falar de mortos, corruptos e corrompidos. Matar e roubar são os principais verbos de ação em nossas ruas. Afinal de contas, o que Deus quer com os seus mandamentos? Apenas nos controlar? Capricho? Por que o mundo dito civilizado jamais conseguiu banir essas leis milenares? Por que não consegue impor norma superior?
O mandamento “Não matarás” é uma lei universal. Mesmo entre povos alheios ao cristianismo, o ato de matar pessoas é repugnável. E se alguma cultura tolera certos casos, logo se insurge contra outros. Mesmo o homicídio mais etnocêntrico será repudiado, de uma parte ou de outra. Se há celebração pela morte do adversário, haverá crime na morte de um amigo. E assim vai.
Veja que, ao estabelecer a proibição de matar, o mandamento não é regra tirana. É inteligência. Segundo a renitente lei de talião, quem mata, merece a morte. Quem furta, terá a própria mão roubada. Logo a inteligência se confirma na autoproteção. Se não quero para outrem, não quero para mim. Mesmo as penas atuais carregam em si a ideia de retribuição do delito. Vivemos todos a lei de talião. Relativa. Mas vivemos. Apenas rejeitamos o “dente por dente”. Praticamos certo escambo de valores. Mas é provável que algum ladrão preferisse ter a mão criminosa cortada a permanecer enjaulado. Não é inteligente transgredir.
Quando uma pessoa furta, nunca mais será a mesma. E isso não é apenas uma questão patrimonial. Na verdade, ela furtou a si própria. Ao tempo que imaginava enganar a outrem, o mal volta-se contra ela. E, para este efeito, não há diferença entre o ladrão de galinhas e o homem do colarinho branco. Furtou. Roubou. A fronteira jurídica da violência que separa estes dois crimes desapareceu. Autoviolência.
Quem furtou, precisará de cobertores mentais. Dia e noite. Principalmente nesta, quando, para conciliar o sono, o criminoso precisar criar justificativas que anestesiem seu próprio cérebro. Porém, quando começar o back-up onírico, a verdade virá à tona. Pesadelos serão a face tenebrosa da mentira. E, ao acordar, sua jornada já nascerá atormentada. Faltou-lhe a inteligência dos mandamentos.
Mentir não é nada inteligente também. É um crescente véu sobre a verdade. Quem se acostuma a mentir precisará enganar a si mesmo o tempo todo. Viverá um mundo de ilusões. Erguerá uma torre sobre a areia. Desastre, na certa. Isso vale igualmente para adultério, perjúrio, cobiça etc.
Mandamentos são grandes espelhos à margem dos nossos caminhos. Retrovisores. Diante da tentação de transgredi-los, convém olhar para eles. Fornecem-nos imagens interessantes de gente que resistiu e de outros que fracassaram na hora da prova. Mostram que o erro jamais compensa. É nessa hora que descobrimos por que estão ali. Não são meros passaportes à eternidade. Mandamentos têm acentuada aplicação social. Inteligentes. Capazes de nos fazer viver bem nossa jornada comum e, como desdobramento, garantem uma esticadinha até o Céu.
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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br
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