segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tudo se resume às aparências


Não tivesse os olhos vendados, Têmis, esposa de Zeus e deusa da justiça, mostraria sua contrariedade diante da tragédia que foi a conspiração que culminou com a morte do rei da Dinamarca. William Shakespeare (1564- 1616) é um dos autores que melhor souberam captar e expressar o descontentamento e o desconforto do homem e da sociedade na passagem do mundo clássico para a modernidade. Escrita entre 1599 e 1601, a tragédia Hamlet descortina perante nossos olhos um dos maiores dilemas do homem moderno: a angústia diante da decisão a tomar.
Não é segredo para ninguém, existe em todos nós o medo de errar, ficamos tão dispersos diante de um sem-fim de argumentos, que escolhemos encontrar uma deixa de algum manual, uma regra em alguma convenção ou simplesmente, algum tipo de uma fórmula que pelo menos nos garanta o acerto na hora de decidir. Como é fácil entender a figura de Hamlet quando o vemos angustiado e totalmente indeciso sobre que caminho seguir.
O velho rei da Dinamarca acaba de morrer e faz com que o Príncipe Hamlet abandone os estudos na Universidade de Wittenberg e retorne para Elsenor, onde a Corte residia. O irmão do rei falecido, Cláudio, sob o pretexto de defender o país de uma possível invasão das forças norueguesas de Fortimbrás, príncipe da Noruega, casa-se com a viúva e assume o trono. Todavia, o espectro do rei aparece para o príncipe Hamlet à noite e revela que foi assassinado pelo próprio irmão, com a anuência da esposa. O fantasma do monarca exige, então, que seu filho o vingue. Eis aí a grande questão. Nesse instante o protagonista se vê diante de um dilema: sua mãe e seu tio são assassinos, mas aparecem como inocentes e, portanto, como soberanos legítimos da Dinamarca. Qual será a verdade? O que o pai lhe conta ou o que as aparências indicam? Que decisão tomar?
Quem leu o Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527) percebeu que não só a política, mas todo o espectro das relações humanas passou a se basear nas aparências: “Os homens, em geral, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos (..). Todos veem o que tu pareces, mas poucos o que és realmente”, afirmou o pensador italiano.
A grande angústia de Hamlet, talvez, seja o famoso “Ser ou não ser. Eis a questão”. Não deixa de ser curioso que seja essa, e não outra, a pergunta que Hamlet se faz quando reflete sobre que atitude tomar em relação a mãe e ao tio: por que “ser ou não ser” e não “fazer ou não fazer”? Afinal, digamos assim, a decisão que terá de tomar tem a ver com a ação. Hamlet sente que as coisas não são como parecem que a sociedade na qual vive é uma farsa, um faz de conta que pode ser resumido a pura retórica, frases e mais frases sem sentido.
Mas o que o príncipe da Dinamarca quer saber é se a mãe e o tio “são” mesmo corruptos e assassinos, e não o que eles ou o resto da Dinamarca acham sobre o assunto. A solução que Hamlet encontrará tem raízes no mundo clássico, não no moderno. Ele acredita que há uma voz no homem que, “embora não tenha língua, se expressa-se com outra e milagrosa voz: (..) a consciência do rei se trairá com a peça”. O homem prefere a paz e até mesmo a morte à liberdade de discernir entre o bem e o mal. Não há nada mais sedutor do que o livre-arbítrio, mas também nada mais doloroso.
No mais, a questão central da peça de Shakespeare continua ressoando em nossos ouvidos: “Ser ou não ser. Eis a questão”. E Hamlet continua angustiado porque não lhe parece suficiente tomar uma decisão qualquer. Ele quer tomar a decisão certa.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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