quarta-feira, 4 de abril de 2012
Escândalos, igrejas e imunidade tributária
Segundo a nossa Constituição, é vedada a tributação sobre templos de qualquer culto. Essa regra alcança o patrimônio, a renda e os serviços diretamente relacionados com as finalidades essenciais dessas instituições. Imunidade tributária ampla, aplicável nos três níveis do Estado. O privilégio estende-se a qualquer destinatário, abrangendo igrejas de porte internacional e igrejolas que se instalam na periferia das grandes cidades.
O que há de errado nesse tratamento constitucional? Em primeiro plano, nada. A Constituição protege a fé, enquanto expressão das liberdades individuais. Concedendo imunidade tributária aos templos, busca não se imiscuir nessa relação do sagrado, separando bem o que é de “César” e o que é de Deus. Penso que esse princípio deve ser preservado.
Contudo, por que o Estado não pode saber o que se passa nos bastidores de igrejas em matéria econômico- financeira? Por que essa fatia da riqueza nacional não pode ser conhecida pelos órgãos fiscalizadores? Não vejo nenhum embaraço em se abrir as contas de instituições de vida consagrada, que apregoam a equidade, a ética, a moral e a legalidade. Por que a transparência assusta alguns que pregam a luz? Não sei. A Escritura afirma que todo aquele que pratica o bem vem para a luz para que suas obras sejam manifestas, pois contêm a aprovação divina.
Embora o privilégio tributário não seja específico do segmento evangélico, é notório que este é que mais se expõe em nossos dias. Igrejas importantes têm surgido nos últimos anos no Brasil. Largos anos depois da Católica (que significa “universal”), surgiram também em tempos recentes a Universal, a Internacional e a Mundial. Todas dentro de um espírito conquistador. Naturalmente, sendo o dinheiro a mola propulsora do mundo, há muita coisa para ser conhecida em termos financeiros, seja em âmbito nacional, seja pela tentativa de evasão de divisas.
Penso que igrejas sérias no Brasil deveriam pedir abertura de suas contas. Neste caso, a Receita Federal teria o papel de - e tão-somente - conhecer o montante de recursos levantados e aplicados a cada mês e a cada exercício anual. Cada instituição seguiria livre para administrar cem por cento de sua renda, mas o Estado saberia o que se passa em cada lugar.
Não vejo por que igrejas são tratadas tão diferente do segmento privado, em termos econômico- financeiros. Abertamente, hoje, comercializam muita coisa. Isso vai desde “venda” de bênçãos a toda sorte de barganha e concorrência. Isso inclui um catálogo de produtos de causar inveja a muitos comerciantes comuns.
Essa briga entre a Universal e a Mundial talvez não existisse se o governo soubesse quanto cada qual arrecada e em que aplica suas rendas. Ele poderia cruzar informações para checar o preço pago em canais de rádio e televisão. Saberia qual o valor das prebendas, este nome difícil para salário de religiosos. Conheceria quanto é gasto para construir um templo, e assim por diante. Qual o problema nisso? Você acha que Jesus se recusaria a abrir suas contas? De jeito nenhum. Ele nem quis saber de imunidade tributária, porém, quando cobrado, pagou espontaneamente o imposto dele e o de Pedro.
Igrejas sérias só teriam a ganhar com a abertura de suas contas. Membros dessas igrejas iriam parar de se preocupar com a idoneidade de certos religiosos. Bastaria pedir que a Receita lhes mostrasse os números. No início de cada ano, esse mesmo relatório técnico seria apresentado aos fiéis para prestação de contas.
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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br
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