sexta-feira, 14 de maio de 2010

Seleção burocrática


A era Dunga na Seleção Brasileira nos faz lembrar alguns cenários cinzentos dos anos de chumbo da ditadura militar. Naquela época sombria, o talento, a inteligência, a criatividade, a imaginação e arte eram considerados valores subversivos e terríveis ameaças à ordem e ao progresso. A sentença, nos anos 70, era Brasil, ame-o ou deixe-o.
Logo, nada de liberdades, nada de controvérsias, nada de contestações.
“Todos juntos , vamos, pra frente Brasil, Brasil, salve a seleção ! “
Era a época do pensamento único e da obediência imposta pela força das armas, pelas limitações intelectuais da “linha burra” no governo, que ditava a disciplina e os costumes,à imagem e semelhança dos quartéis, onde “ordem não se discute: cumpre-se”.
Dunga parece a reencarnação acabada e fora de época daquele espírito do atraso, em que se confunde disciplina com ordem unida, seriedade com sisudez.
O discurso de amor à Patria, de doação ilimitada, da superação, do resgate e da paixão de vestir a camisa da seleção lembra o fanatismo de doutrinas fascistas de triste memória. Trata-se de um patriotismo tosco, que costuma servir de válvula de escape para pendores autoritários. Lembrai-vos da seleção de 1970, que conquistou o tri, mas serviu de “mote” para que os “pais da pátria” mantivessem a mordaça sobre a Nação brasileira.
Ao convocar a Seleção Brasileira para a Copa de 2010, Dunga, em nome da “disciplina, da ordem e do progresso”, deixou de fora a alegria e o talento de promissores atletas como Paulo Henrique “Ganso” e Neymar , os meninos do Santos, sob a alegação de que ainda são “muito verdes” para a seleção.
Já se sabe que na era Dunga, jamais teremos revelações de craques geniais como Pelé e Maradona, ambos descobertos , revelados e convocados para a seleção de seus países ainda em tenra idade. Sim, porque o talento não tem idade. Nem se adquire com mais anos vividos nem com repetitivas experiências burocráticas. "O tempo, só o tempo, pode trazer cabelos brancos, mas não sabedoria ou talento", já dizia o velho Sócrates (o filósofo, não o talentoso jogador paraense).
Até os argentinos, como Maradona e Messi, que também são artistas, lamentaram a ausência dos “meninos do Santos”, na Copa do Mundo, onde, com certeza, seriam consagrados pelo seu talento e alegria de jogar.
Nelson Rodrigues e João Saldanha, dois geniais cronistas do futebol-arte, com certeza tremeram no túmulo com a heresia de Dunga. De raiva, quem sabe até não consigam reencarnar no “Sobrenatural de Almeida” para vir dar uns puxões de orelha no “birrento” treinador da seleção brasileira... Seleção que, à imagem e semelhança de seu timoneiro, pode até ganhar a Copa do Mundo, na África do Sul, com um futebol burocrático e sofrido. Mas, deixará muito a desejar em termos de futebol-arte, que também pode vencer, sem prejuízo da alegria e do talento, marcas registradas do futebol brasileiro.
Perdendo tais características, a Seleção Brasileira acaba também perdendo o respeito que conquistou justamente por causa dessas qualidades que fazem o seu diferencial. Sem talento, alegria e arte, fica tudo muito igual e previsível na seleção, que irá praticar um futebol burocratizado e anão, no estilo Dunga de ser. Para gáudio dos adversários, que não mais irão temer o talento do futebol brasileiro. E para tristeza de seu povo alegre e festeiro, que irá sofrer “horrores” a cada novo jogo-suplício do Brasil na Copa da África do Sul. Só nos resta esperar que “os deuses do futebol” possam agir a tempo de evitar o pior, quem sabe “promovendo” o “Ganso” da lista reserva, com o possível impedimento natural de algum “soldado de chumbo” da linha burra mediana de Dunga...

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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br

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