sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Andorinha no inverno

FRANCISCO SIDOU

Diz o mote popular que uma “andorinha só não faz verão”. Mas há casos em que pode fazer a diferença. É o caso do conselheiro Nelson Chaves, do Tribunal de Contas do Estado, o único dos membros daquela “corte de contas” a recusar o indecoroso auxílio-moradia com que os “nobres conselheiros” se presentearam no Natal, que deve ter sido nababesco,a julgar pelos valores concedidos , em torno de R$ 500 mil a cada conselheiro.
O assunto só mereceu pequeno registro na coluna social do Bernardino, “onde só aparece quem faz e acontece.” De acordo com a notícia, o conselheiro autorizou a tesouraria do Tribunal a encaminhar o valor correspondente a seu polpudo “auxílio-mansão” ao Hospital Ophir Loyola , que trata de pacientes com câncer e enfrenta grandes dificuldades por falta de recursos públicos. São vários os casos de irmãos paraenses acometidos dessa terrível doença encaminhados para receber tratamento nos estados de Tocantins e do Piauí, tal a precariedade do atendimento naquele Hospital, que já chegou a ser de referência nacional no tratamento do câncer.
Sem tirar o mérito dessa nobre e solitária ação beneficente do conselheiro Nelson Chaves, cabe uma pergunta, digna de ser formulada por algum discípulo do famoso “conselheiro Acácio”: “Se está faltando dinheiro público para a saúde da população, de onde vem essa dinheirama que está sobrando no Tribunal de Contas do Estado?" "Acaso não tem a mesma origem?"
Por outro lado, impotente e perplexo, o comum dos mortais, cidadão- contribuinte- eleitor, que paga aluguel quando não tem casa própria, poderia também perguntar: É legal conceder auxílio-moradia a quem já tem casa própria? Mesmo sendo legal, isso não “cheira mal”? Essa verba liberada para pagamento do “auxílio-mansão” aos nobres conselheiros estava no Orçamento do Estado? Se o Estado tem dinheiro sobrando, por que está querendo efetuar empréstimos internacionais de mais de R$ 366 milhões?

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“Essa verba liberada para pagamento do “auxílio-mansão” aos nobres conselheiros estava no Orçamento do Estado? Se o Estado tem dinheiro sobrando, por que está querendo efetuar empréstimos internacionais de mais de R$ 366 milhões?”
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O trabalhador comum dos mortais, ao receber vale-transporte assina um documento que o proíbe de utilizar esse auxílio quando dispõe de um veículo particular, sob pena de severas punições , incluindo até a demissão. Os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado recebem um polpudo e indecoroso auxílio-moradia, mesmo residindo todos eles em belos apartamentos e mansões. Sem qualquer pudor ou problema de consciência. Alguns devem até ter condenado ou “gozado” o ato decente do conselheiro Nelson Chaves.
Essa cultura do patrimonialismo e do nepotismo, que viceja nos tribunais de Contas e na maioria das casas legislativas do País, só tem contribuído para aumentar o descrédito da sociedade nas instituições que deveriam ser guardiães da democracia e da moralidade pública.
A propósito, onde está que não responde aos apelos da sociedade o nobre representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado?
Será que não cabe uma ação na Justiça para anular esse indecoroso “auxílio-mansão” e tentar restaurar um mínimo de moralidade e decência naquela Corte, que, ironicamente, tem como missão “zelar pela moralidade das contas efetuadas com o dinheiro público pelos gestores e ordenadores de despesas no Estado do Pará”?
Data venia, perguntar não ofende.

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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br

2 comentários:

Anônimo disse...

Data vênia, perguntar não ofende, comentar, também não.

A argumentação do jornalista é pertinente, no seu todo. Exacerba, porém, o toque de nobreza no gesto do Conselheiro Nelson Chaves que, rechaçando o ato imoral do Tribunal de Contas do Estado, autorizou o repasse do seu quinhão para o Hospital Ophir Loyola.

Atitude nobre, louvável, própria dos homens de bem. Pena que se de um lado até pode acudiu algumas dezenas de pacientes enfermos naquele hospital, do outro, desonera generosamente o Poder Público das suas obrigações com aquele nosocômio, consequentemente, com o povo.
Bom que soma um pontinho a mais no reconhecido perfil de homem sério que o conselheiro Chaves ostenta no seio da comunidade.
Aí, porém, um sutil proveito pessoal que bem poderia ter cedido lugar para uma enérgica ação do Conselheiro em busca da anulação do famigerado auxílio-moradia (com a subsequente devolução dos valores que foram pagos aos que o acolheram de bom grado). Com certeza um objetivo que não poderia ser conseguido nos arraiais do TCE, mas na justiça. E o Dr. Nelson Chaves tem legitimidade, como cidadão, para ajuizar a ação competente.

Conselheiro Nelson; o seu perfil de homem sério já está provado. Petrifique-o agora, fazendo da sua renúncia ao Auxílio-moradia um exemplo a ser seguido pelos seus pares no TCE, mesmo que sob vara da justiça. Ainda há tempo. Mãos à obra.

Francisco Sidou disse...

Caro e ilustre anônimo,

A julgar pelo seu comentário, você deve ser um operador do Direito. Quem sabe até um "peixe grande", que prefere o anonimato para não se "expor". Quero apenas dizer-lhe que não exarcebei na dose, como você sugere.Nem conheço pessoalmente o conselheiro Nelson Chaves. Não lhe devo nada nem nunca lhe pedi nem pedirei qualquer coisa. Apenas destaquei o exemplo de moralidade numa época em que a "Lei de Gerson" é mais seguida em nosso País. Você há de convir que não é fácil o cidadão recusar R$-500 mil que praticamente "caiu do céu".Daí o inusitado do gesto, que na minha avaliação mereceu destaque. Também cobrei uma posição do ilustre representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas pela sua proximidade com o local do "crime" contra os cofres públicos e contra a cidadania, também na minha modesta avaliação. Smj.