domingo, 12 de outubro de 2008

Um presente para a Senhora

JOÃO CARLOS PEREIRA

De todos os encantos que cercam o Círio, o maior, o mais sublime, o mais bonito e, também, o que chega cercado e maior mistério é a imagem da Virgem Maria de Nazaré. A escultura, que quase todo mundo pensa que é antiqüíssima, não tem 40 anos e foi esculpida na Itália. A "verdadeira", que foi encontrada por Plácido, deve contar, pelo menos, quatro séculos. Esta fica no Glória o ano todo e desce apenas na época da festa. A outra, chamada, com justa razão, de "peregrina", anda para lá e para cá, pode ser vista de perto, tocada e, apesar dos cuidados da Guarda, beijada.
Quem acompanha a santinha, nas peregrinações, sabe o quanto as pessoas se emocionam, ao vê-la de perto. A questão é que, de tanto estar ao seu lado, acabei me acostumando à sua doce expressão Por isso, sempre imagino que, quando chegar a hora do Círio (ou da Trasladação), vou estar, digamos assim, preparado para enfrentar as fortes emoções. Pobre engano. Quando acaba a missa e ela é colocada na berlinda, me comporto como o mais humilde de todos os devotos e, sentindo-me indigno diante da imagem da Mãe de Deus, desabo. Basta que eu a veja na berlinda, para que aquela sensação de intimidade se desfaça e eu me perceba diante da majestade.
Alguma coisa há de excepcional naquela imagem. Fala-se de uma forte energia que, efetivamente, existe. Quando é colocada na berlinda, parece que essa energia aumenta de uma forma impressionante. Se nem os Diretores da Festa, que estão sempre com ela, controlam as lágrimas, o que dizer de mim, pobre e inseguro caminhante da fé?
Diante de tantas homenagens a Nossa Senhora, cuja imagem o povo venera, perguntei a um amigo, na noite da Trasladação, que tipo de presente se poderia oferecer àquela que é, de fato, Mãe de Deus? Ele parou, refletiu e foi honesto, ao confessar que não sabia. Olhamos para o céu, cenário de um espetáculo de fogos, e entendemos que nem todo ouro, nem todos os títulos universitários, nem a mais rica de todas as igrejas chegariam aos pés da homenagem dos homens do cais do porto. As flores, as peças em cera, o aceno, tudo vale muito mais do que expressões de fortuna. Isso, para quem não sabe, já lhe pertence há tempos. Restam, cada vez mais, a simplicidade autêntica das coisas miúdas, os pequenos gestos e do talento dos fogueteiros anônimos.
A comparação é pobre, mas é a único de que disponho. O que se pode dar de presente a uma pessoa que tem tudo e, se isso não bastasse, pode comprar o que quiser? Tenho a resposta na ponta da língua: o amor e nada mais.
Nossa Senhora, que tem tudo, deve gostar de coisas muito simples. Um coração devoto, por exemplo, para ela, deve ser tudo.

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JOÃO CARLOS PEREIRA é professor e jornalista
jcparis@orm.com.br

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