Marta Suplicy, a candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, está igual àquele time que, precisando ganhar de 10 a 0 numa decisão, está perdendo por 10 a 0 até os 40 minutos do segundo tempo e, no finalzinho da partida, começa a distribuir bicudas nos adversários, seguindo à risca aquela velha regra do desespero: perdido por 1 ou perdido por mil é a mesma coisa, porque perdido está.
Marta, segundo a última pesquisa Datafolha, está 17 pontos atrás de Gilberto Kassab, candidato do DEM. Digamos que esteja, então, perdendo para o democrata por 17 a 0. Faltam 12 dias para o segundo turno, o que equivale mais ou menos a uns 10 minutos do segundo tempo da prorrogação, numa partida de futebol.
O que faz dona Marta? Começa a distribuir bicudas.
A primeira, é claro, foi no adversário.
Sua campanha colocou no ar uma pergunta: se o eleitor já se preocupou em se perguntar se o prefeito Gilberto Kassab é casado e tem filhos.
O prefeito democrata, 48 anos, é solteiro e sem filhos.
Qual o espírito da pergunta? Qual seu alcance? O que a prefeita e seus marqueteiros pretendiam com ela?
Pretendiam disseminar a insinuação de que o prefeito, por ter 48 anos, não ser casado e nem ter filhos, é homossexual.
Marta, seus marqueteiros e porta-vozes dizem que não era esse o espírito da pergunta.
Pois mentem, ao dizer isso. E mentem todos, deslavadamente. Porque era esse mesmo o espírito da indagação.
Melhor, muito melhor fez o deputado petista Adriano Diogo, que não deixou margem a qualquer dúvida e escancarou logo suas grosserias.
Em discurso na quinta-feira, na Assembléia Legislativa, ele qualificou o prefeito como um “clone que ninguém sabe o que pensa, ninguém sabe com quem é casado”. E foi adiante, como destacou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo: “Amante não é o amor oficial do dia. Amante é o amor às escuras. Por exemplo, ninguém descobriu qual é o verdadeiro amor de Gilberto Kassab até hoje (...) Amante não é uma palavra muito adequada para a política. É para outras circunstâncias.”
A mentira desavergonhada
Sobre a peça de campanha, disse dona Marta. “A condução da campanha de televisão o marqueteiro faz, isso não compete a mim. (...) A decisão está na mão do marqueteiro, como o Kassab disse que a dele também [estaria na mão do marqueteiro]. Se você quiser saber o que achei, eu não vi, não li. As pessoas me contaram, eu li, soube, não vi a campanha", afirmou.
Dona Marta é mentirosa. Além de arrogante, é mentirosa. Mentirosos não têm vergonha de mentir. Marta, mentirosa, mente sem-vergonhamente. Mente desavergonhadamente. Mente que nem cora.
Por que mente?
Porque ninguém haverá de acreditar que uma peça de campanha com esse teor não tenha a prévia concordância, a prévia aprovação, o prévio assentimento do candidato, no caso a própria Marta Suplicy.
Ela mente, portanto. Mente e não tem vergonha de mentir.
A ex-mulher de vanguarda
Dona Marta sempre foi uma mulher de vanguarda.
Psicóloga e sexóloga, foi a primeira a falar sobre sexo na televisão nos anos 80, quando esse tempo ainda não era discutido assim tão abertamente. Era exposto, mas não debatido. Nesse sentido, exerceu um papel admirável no arejamento das idéias.
Dona Marta, psicóloga e sexóloga, arrostou, enfrentou o conservadorismo de meio-mundo quando, já cinqüentona, separou-se do marido, o senador Eduardo Suplicy (PT) após traí-lo durante o casamento para ficar com o atual, o franco-argentino Luis Favre. Fez isso porque achou que deveria fazer: a vida é dela, ela se apaixona por quem quiser, trai quem quiser e pronto. A vida – vida pessoal – é dela.
Muita gente a criticou, mas dona Marta, altivamente, enfrentou tudo isso em defesa de um caminho que achava melhor para si mesma. Ponto para dona Marta.
Aliás, dona Marta disse que sofreu muito por ter tido sua vida vasculhada quando se separou de Suplicy (PT) - e que é a primeira a ser contra qualquer interferência em questões de foro íntimo. Céus! Imagine se ela fosse a favor. Imagine!
Psicóloga e sexóloga, dona Marta também se destacou por defender as minorias, como os homossexuais, por exemplo. Vejam só: defendeu os homossexuais, mas agora faz menções sórdidas de homossexualismo contra seu adversário.
“Gays não podem ser bons políticos?"
E o que tem a dizer esse segmento minoritário contra dona Marta?
“Ficamos perplexos. Eu acho que quem teve essa idéia infeliz dialogou com o senso comum, cometeu um equívoco eleitoral. Então, os gays, casados ou lésbicas não podem ser bons políticos?", disse Julian Rodrigues, do Setorial Nacional LGBT do PT, em declarações à Folha.
Julian, integrante da minoria que Marta agora ofende, é um exemplo edificante que deveria ser seguido pela própria Marta. Porque sua pergunta é perfeita, é pertinente, é oportuna, é sábia: “Então os gays, casados ou lésbicas não podem ser bons políticos?”
Estimulados por Julian, vamos aplicar especificamente ao caso de Kassab a pergunta da campanha de Marta que ela própria, mentirosamente, diz que não sabia previamente se seria colocada no ar.
Qual é o problema de Kassab ter 48 anos, não ser casado e não ter filhos?
O que isso tem a ver com a moralidade que se exige de quem exerce um cargo público?
O fato de um sujeito ter 48 anos, não ser casado e não ter filhos ofende a moralidade pública? Ofende a competência de administrar? Ofende o espírito público que deve observar como gestor de uma cidade?
Bandidagem é uma coisa, homossexualidade é outra
Vamos agora para um outro extremo.
Apenas por hipótese, por suposição, suponhamos que Kassab seja homossexual e tenha até um companheiro.
E aí? Qual é o problema dessa sua opção, se ela não tem reflexo em sua condutas como gestor?
Agora, se o companheiro de Kassab é pago indevidamente com o dinheiro público, se faz negociatas com dinheiro público, se exerce tráfico de influência na administração pública, aí sim, precisamos saber quem é esse cidadão, para que seja escorraçado do serviço público. E precisa ser escorraçado não porque é homossexual, mas porque é bandido. E tão bandido como o prefeito que em tese permitiria suas bandidagens.
Da mesma forma, administrador que expele sua condição de macho por todos os poros, é um imoral se usa indevidamente o dinheiro público para ajudar a mulher, a amante e seja lá quem for.
As situações de moralidade aqui colocadas são iguaizinhas: com a diferença de que uma relação é homossexual, e outra é heterossexual.
Se ambas as situações se vinculam ao interesse público e deslizam para infringências legais no âmbito público, então deve ser reprimidas nas instâncias pertinentes.
Mas se ambas refletem uma opção pessoal e se circunscrevem estrita e rigorosamente a esse limite, o que temos nós a ver com isso? O homossexual que assuma sua opção. O heterossexual, igualmente, que assuma a sua. E cada um que viva a sua vida. Saudavelmente. Autenticamente. Sem culpas.
A hora de relaxar e gozar
Marta Suplicy – a dona Marta da pedagogia sexual, a dona Marta dona dos seus sentimentos e do direito de buscar sua felicidade pessoal, a dona Marta defensora das minorias, inclusive dos homossexuais – deveria abandonar a vida pública, depois de perder essa eleição.
E depois de abandonar a vida pública, deveria relaxar e gozar.
Deveria relaxar para recobrar o bom senso e deveria gozar as lembranças de condutas suas que tantos de nós admiramos e que agora vão pelo ralo.
Pelo ralo da grosseria, da mentira e da homofobia explícita.
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