terça-feira, 18 de março de 2008

Carta poética pode ter decretado a degola de Navarro

Uma carta em tons poéticos, que cita inclusive o poeta português Fernando Pessoa, pode ter sido decisiva para a perda do mandato do vereador de Bragança Fernando Navarro (PR), cassado nesta terça-feira por 4 a 2, por infidelidade partidária.
Votaram pela perda do cargo o desembargador João Maroaja, o jurista Rubens Leão e os juízes José Maria Teixeira do Rosário e Paulo Jussara. Pela improcedência do pedido, por entenderem que houve justa causa para a desfiliação do parlamentar, manifestaram-se o juiz federal José Alexandre Franco - em voto ratificado pelo juiz federal Daniel Sobral, presente à sessão no lugar do colega, que está de férias – e o jurista Raphael Lucas. Os dois seguiram o parecer do procurador eleitoral, José Augusto Torres Potiguar, também pela improcedência do pedido de perda do mandato formulado pelo Diretório Municipal do PMDB em Bragança.
Navarro era do PMDB e migrou para o Partido Republicano. Alegou que não teve outra alternativa, senão mudar de legenda, porque passou a sofrer perseguições políticas desde que passou a denunciar a deputada Simone Morgado (PMDB) como beneficiária, em sua campanha eleitoral de 2006, de recursos públicos subtraídos de obras conduzidas pela administração do prefeito Edson Oliveira, também do PMDB.
O vereador, para fazer tais acusações, respaldou-se no conteúdo de conversa telefônica entre duas pessoas, uma delas identificada como Wallace Almeida, assessor da Prefeitura de Bragança.

“Tem essa obra, arranja 10% disso...”
Na conversa, interceptada pela Polícia Federal quando ainda investigava indícios de fraudes descobertos pela Operação Rêmora, Wallace Almeida – assim identificado pela defesa de Fernando Navarro – diz coisas assim ao seu interlocutor, não identificado na conversa:
“A contrapartida dela. Porque eu to lhe falando isso, porque eu chamei, o pessoal aqui ta aperreado de dinheiro, pessoal ta sem dinheiro pra campanha, ai eu liguei, eu me lembrei de mim, olha pessoal tem essa obra, arranja 10% disso, parcelas de 10, até o final da campanha 10 mil, daqui a quinze dias 10 mil, e na véspera da campanha 10 mil, pra ajudar a Simone que é 10%, numa obra dessa a gente tem um lucro mais de 10%, e isso em vez de dar pra outra pessoa, que com certeza vai sair pra outra pessoa, teria que molhar a mão essas coisas todas, o senhor sabe como é, façam isso, garantam isso pra ela é um compromisso com ela, a Simone não vai deixar isso ir pra mão de outra pessoa, nós temos como direcionar, o projeto é meu, eu posso administrar isso tudo, só que os meninos.. Acho que.. Ou.. Ele, mais ai eu abri o verbo, disse como é o prefeito disse as dificuldades que tão tendo e tal, não sei o qual foi o medo que tiveram, eu não sei se realmente eles estão aperreados de dinheiro ou se eles estão com medo, entendeu, eu não sei ta, o Marco Antonio e o Marcio, mais existe essa, existe uma outra obra também no valor de 1 milhão que é de asfalto, que também seria direcionada pra eles, né...”
Diz mais o assessor, lá pelas tantas da conversa:
“Nós temos aqui empenhado, 1 milhão pra asfalto, empenhado; nós temos empenhado 1 milhão esgoto que o doutor Jader trouxe em mãos, já empenhado esse dinheiro, já ta sacramentado, nós temos esses outros 300, quer dizer, tem muito dinheiro aqui, que se juntar 10% disso tudo da mais de 200 mil e ajuda uma campanha, o senhor ta entendendo, e fica tudo na nossa mão, não to entendendo o porquê ele não faz isso rapaz, eu não to entendendo...”
Diante das evidências de utilização ilegal de recursos públicos, Navarro passou a fazer denúncias e a pedir providências, em pronunciamentos que fez da tribuna da Câmara e em seu programa de rádio, já que também é locutor. Como passou a cobrar a prestação de contas do prefeito Edson Oliveira e apuração de denúncias contra Simone Morgado, caiu em desgraça junto à cúpula do PMDB em Bragança, daí ter sido forçado, segundo alega, a migrar para o PR.

Poesia em carta
Hoje de manhã, ao ler seu voto-vista no plenário do Tribunal Regional Eleitoral, o juiz Rubens Leão ressaltou não ter encontrado, nos autos, um documento sequer – ata ou nota taquigráfica – da Câmara de Bragança, atestando que Navarro usou a tribuna para pronunciar-se sobre fatos relacionados à Operação Rêmora ou à deputada Simone Morgado.
Ao contrário, acrescentou o magistrado, suas intervenções no plenário da Câmara limitaram-se a cobrar providências, e assim mesmo de forma “discreta”, em relação aos atos apenas do prefeito Edson Oliveira, do PMDB. Rubens Leão destacou ainda que na carta em que se despediu do PMDB, Navarro não menciona uma vez sequer questões relacionadas à Operação Rêmora, mas limita-se a expor, em tons afetuosos e poéticos – com menção inclusive a Fernando Pessoa –, razões genéricas que o levaram a trocar o PMDB pelo PR. Tais razões, entendeu Leão, não configuram que haveria perseguições políticos. Se não houve perseguição, não houve justa causa – resumiu.
O juiz Paulo Jussara, ao manifestar-se de acordo com o voto-vista de Rubens Leão, e portanto favorável à cassação do mandato de Navarro, disse que o vereador utilizou, em sua carta de despedida do PMDB, um tom poético capaz de comover “o mais empedernido” – expressões do magistrado – dos seres.
“Carta de despedida não é carta-testamento”, ponderou na mesma hora o procurador eleitoral, José Augusto Torres Potiguar, que reforçou a convicção do Ministério Público de que Navarro saiu do PMDB por justa causa, ao ver-se perseguido pela cúpula do PMDB em Bragança. Potiguar enfatizou mais: que depoimentos claros durante a instrução processual demonstram e comprovam que Fernando Navarro foi várias vezes, à tribuna da Câmara Municipal de Bragança, para pronunciar-se sobre a Operação Rêmora e a suposta utilização criminosa de recursos públicos na campanha da deputada Simone Morgado.
O juiz Daniel Sobral também se manifestou convencido de que houve justa causa para a saída de Navarro do PMDB. Da mesma forma, o juiz Raphael Luca votou pela improcedência do pedido de cassação. No mínimo, justificou Lucas, houve dúvidas em relação ao caso. E em caso de dúvida, sabem todos, o réu deve ser beneficiado.As argumentações do procurador eleitoral e os votos de Alexandre Franco (reforçado por Daniel Sobral) e Raphael Lucas não foram suficientes para salvar da degola o vereador Fernando Navarro. A defesa dele vai recorrer da decisão ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

3 comentários:

Anônimo disse...

Assisti o julgamento pelo site, daqui mesmo do Ministério Público, duas coisas deixaram-me atônito:

Todos os membros tem conhecimento das gravações envovelndo o advogado do atual Prefeito de Bragança com o aquiteto da Prefeitura, mas blindaram a Deputada e o Prefeito, desprezando essa gravação.

Outra, porque os membros que acompanharam o relator, pela improcedencia da ação e os ilustres advogados do vereador não pediram à CXorte para que a gravação fosse ouvida.

Mas a forma como evitaram, ou blidaram a Deputada, e os "interlocutores", surpreende.

se tiver cheiro, "fede"

Anônimo disse...

Parabéns pela cobertura, Paulo! O vereador Fernando Navarro ficou de pé, no fundo do plenário, durante toda a sessão. A declaração de voto do juiz José Maria Teixeira do Rosário causou rebuliço. Ele se confundiu e disse que votava com o relator, contrário à cassação. Mas os argumentos que pronunciou acompanhavam o voto de vista, favorável à cassação. Por um momento todo mundo pensou que a desembargadora Raimundinha iria usar seu voto de Minerva. Diante do burburinho, ela pediu mais uma vez que o juiz esclarecesse o voto. Foi quando ele admitiu o equívoco, decisivo para a degola do vereador.

Poster disse...

Franssi amiga,
Obrigado por você ter funcionado como "correspondente" do Espaço Aberto no TRE (rssss).
Pois é, o voto do juiz José Maria do Rosário chegou a confundir todo mundo. A providência da presidente foi essencial para desfazer o mal-entendido. Do contrário, até ela permaneceria confusa.
Mas olha, Franssi, esse caso do Navarro ainda está longe de terminar. Ainda deve rolar muito recurso.
Precisamos acompanhar. Atentamente.
Abs.