sábado, 29 de dezembro de 2007

A taxa não tem cheiro


ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR

O princípio da legalidade rege os atos dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), seja qual for o Poder de Estado do qual se origine.
Logo, para instituir-se um tributo, que é uma receita decorrente do patrimônio do particular, tal princípio deve ser obedecido.
Porém, nem toda vontade estatal pode ser objeto de tributo, mesmo que justificada por uma causa nobre. Será preciso compatibilizar esse desejo com o interesse público, porque em matéria tributária ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.
Contudo, não basta que o tributo seja instituído por meio de lei formal. É necessário que a norma definidora aponte todos os elementos da obrigação tributária (tipicidade fechada).
Esses elementos são, em linhas gerais, a hipótese de incidência (locução que encerra a descrição genérica e abstrata da situação descrita na lei), o sujeito passivo (o contribuinte ou o responsável legal), a base de cálculo e a alíquota.
Veiculou-se notícia sobre a criação no Pará de uma taxa de embarque do boi vivo para exportação. Não questionaremos a legalidade dessa norma, mas cabe-nos explicar ao leitor a taxa enquanto espécie tributária.
A Constituição Federal dispôs no seu art. 145, II, que as taxas serão instituídas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.
Polícia, no caso, refere-se à possibilidade de autorizar e fiscalizar determinada atividade.
A hipótese de incidência da taxa consistirá, assim, na prestação de serviço público ou no exercício do poder de polícia. Essa, aliás, a razão pela qual a taxa é intitulada de tributo vinculado, circunstância que a diferencia do imposto, espécie tributária que não admite obrigação estatal específica relativa ao contribuinte.
Qualquer atividade estatal de disciplina da liberdade individual em benefício do bem-estar geral, prestado ou posto à disposição do sujeito passivo, constitui a hipótese de incidência da taxa. Todavia, são necessários três requisitos sem os quais esse tributo não poderá ser cobrado: o uso efetivo ou potencial de um serviço público; a especificidade e a divisibilidade dessa prestação e a efetividade ou a disponibilidade de tal serviço.
Específico é o serviço público decomposto em unidades autônomas e divisível o que pode ser contratado individualmente pelo contribuinte.
O Estado tem competência para instituir taxas desde que exista um vínculo entre ele e o serviço público entregue ou posto à disposição do contribuinte. A falta de alguma dessas exigências qualificará de inconstitucional a lei que instituir referido tributo.
A propósito do embarque do boi vivo ao exterior e do mau cheiro exalado, vale recordar a lição do imperador Vespasiano a seu filho Tito. Aquele havia criado um tributo sobre os mictórios públicos e este sugeriu a sua extinção por conta da origem e do odor insuportável. Vespasiano não o extinguiu porque, segundo ele, o dinheiro arrecadado com a tributação não vinha acompanhado do cheiro do fato tributado.
Portanto, a taxa criada pelo Estado também não tem cheiro, igualmente às latrinas de Vespasiano. Entretanto, tal conclusão não afasta a análise sobre a legalidade da sua instituição, que não foi, registre-se, objeto de exame neste artigo.

Roberto da Paixão Júnior é especialista em Direito do Estado
imcpaixao@superig.com.br

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