domingo, 30 de dezembro de 2007

Turquia: laicização ou islamização


SERGIO BARRA

A Turquia atravessa momento de crise política. O país vive um de seus piores momentos. Essa crise de gerenciamento se deve especialmente ao primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogam, de tendência islâmica, com os turcos temendo um fortalecimento do fundamentalismo religioso. Abre-se a possibilidade de uma intervenção militar, e já anunciaram que não tolerariam um presidente do AKP (Partido para a Justiça e Desenvolvimento) e o fim do sistema laico. “O povo está dividido entre o medo da islamização e de um golpe militar”, diz escritora Dilek Zaptcioglu, de Istambul.
As mulheres turcas têm medo da introdução da sharia, a lei muçulmana no país, e foram em massa às ruas de Istambul, considerada a cidade mais européia da Ásia Menor, Ancara, Izmir (terceira cidade mais importante da Turquia) e outras cidades para protestar contra políticos, principalmente “políticos islâmicos”, como Abdullah Gül, que tem pretensões que vão além do parlamento. As críticas dos manifestantes não são apenas ao chador (lenço muçulmano) que Hayrunisa Gül, a esposa do político usa para cobrir a cabeça.

Os intelectuais receiam ver o país ser tomado gradativamente pelo fundamentalismo religioso, que havia sido banido por lei já nos anos 20 por Atartuk, que aproximou o país da Europa. Atartuk foi general durante a Primeira Guerra Mundial e ainda hoje o Exército turco é o mais ferrenho defensor das estruturas introduzidas por ele. O povo turco quer e deseja um Estado laico e provavelmente irá às últimas conseqüências.
O número de católicos e muçulmanos no mundo está quase em empate. Isso, de acordo com dados do Vaticano, que pesquisou os números em 2005. Na Europa, o Islã é uma das religiões do dia-a-dia de um grande número de imigrantes e convertidos. Ao mesmo tempo, a expansão da religião vem acompanhada de dúvidas e sofre com preconceitos e estigmas.
Generalizações indevidas caracterizam na maior parte das vezes, a visão que o Ocidente tem do islamismo; e vice-versa. Supostos especialistas, que nunca estiveram nas sociedades que analisam e nem jamais abriram o Alcorão, contribuem para uma interpretação enviesada dos vários mundos muçulmanos. Quem foi a dois ou três países dessa órbita compreende que elas são bastante diversas. O Islã não é um bloco monolítico, nem muito menos estanque. Religião predominante no Oriente Médio e em vastas porções da Ásia e da África, reúne hoje cerca de 1,3 bilhão de pessoas, de diferentes origens étnicas, culturais e sociais. São árabes, iranianos, afegãos, paquistaneses, turcos, chineses, indonésios (89% dos 204 milhões de habitantes do maior país muçulmano), africanos, europeus e americanos.
Na Turquia, continua a resistência laica à vontade democrática. Duplo erro. Nem a laicidade tem qualquer valor se não for em defesa dos valores democráticos, nem esta reação favorece o processo de integração lenta em curso do AKP nas regras institucionais. Os turcos devem bater-se pela laicidade de seu Estado. Mas essa condição não pode, como historicamente tem acontecido, ser conquistada à custa das liberdades cívicas e do processo democrático. Agora, têm ocorrido freqüentes ataques de rebeldes curdos do norte do Iraque sobre a região fronteiriça com a Turquia, provocando mortes desnecessárias de militares turcos. Parece difícil esse caos no Oriente Médio terminar. O turco Orhan Pamuk, Prêmio Nobel de literatura em 2006, lembrou que os defensores de uma “Turquia laica” não precisam dos militares.


Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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