sábado, 22 de dezembro de 2007

Presunção de inocência


ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR

Nossa legislação contempla a possibilidade de o cidadão denunciar as autoridades que, no exercício de suas funções, cometeram abusos.
Considera-se autoridade quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.
Sem prejuízo de outras hipóteses, o abuso de autoridade é definido como qualquer atentado contra a liberdade de locomoção, a incolumidade física do indivíduo e a conduta de quem ordena ou executa medida privativa de liberdade sem as formalidades legais ou com abuso de poder.
A tutela jurídica desse crime é o bem-estar físico ou moral das pessoas. Seus autores sujeitam-se às sanções administrativa, civil e penal.
Aquele que submete pessoa sob sua custódia a vexame ou a constrangimento não autorizados por lei e deixa de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer indivíduo, também responde pelo abuso. O magistrado que deixar de ordenar o relaxamento da prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada é igualmente responsável pelo delito. Em todo caso, para a caracterização do crime há a necessidade do dolo (vontade livre e consciente dirigida a uma finalidade) na conduta dos agentes.
O abuso será julgado na Justiça Comum Federal se o autor da ofensa for autoridade da União ou estiver no exercício de função delegada.
A grave violação a direitos humanos, praticada por autoridades estaduais ou municipais, assim reconhecida em decisão de incidente de deslocamento de competência suscitado pelo procurador-geral da República no Superior Tribunal de Justiça, também move o julgamento da causa para aquela Justiça (art. 109, § 5º da CF).
No último dia 18, foi publicado no blog Espaço Aberto que o deputado Federal Raul Jungmann (PPS-PE), relativamente ao caso da menor L., de 16 anos, presa na delegacia de Abaetetuba com vinte homens, protocolizará na próxima semana, na procuradoria-geral da República, em Brasília, representação daquele incidente. Entende o parlamentar que o caso não deve ser julgado na Justiça Comum Estadual, mas na Justiça Comum Federal. O motivo deve ser o de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte e a eventual falta de isenção para o julgamento do caso pelas autoridades do Estado.
A propósito, em artigo publicado neste jornal (7/12), apregoávamos essa idéia porque estariam envolvidos na questão o Executivo (delegados, promotores etc.), o Legislativo (fiscalização dos atos do primeiro, por simetria ao art. 48, X da CF/88) e o Judiciário (juízes) paraenses.
A Justiça Comum Federal não é melhor do que as demais. Contudo, é importante que tal deslocamento se concretize a fim de evitar dúvidas sobre o ânimo das autoridades locais para apreciar os fatos. Pior do que assistir ao massacre do Pará nos meios de comunicação, é ver que nada foi feito para apurar as responsabilidades e aplicar as devidas sanções, na medida da culpabilidade de cada agente. Não podemos esquecer, porém, que para os supostos autores dos fatos deve-se garantir a ampla defesa, o contraditório e a isonomia de oportunidades em eventuais processos, com a finalidade de favorecer o concreto exercício da função da defesa. Afinal, a Constituição Federal dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Roberto da Paixão Júnior é especialista em Direito do Estado

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