sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O valor da Constituição


A importância da Constituição para o mundo democrático contemporâneo funda-se na idéia da limitação do poder do Estado, cujo florescimento deu-se de modo expressivo no final do século XVII como resultado do constitucionalismo, tendo por exemplos marcantes as Constituições dos Estados Unidos da América de 1787 e a Francesa de 1791. A primeira vinculada, como se sabe, à Independência das 13 Colônias contra a subordinação colonial, registrou a emancipação em relação à metrópole inglesa, e a segunda, ligada à Revolução Francesa contra o Antigo Regime, retratou o fim da monarquia absolutista e dos bolorentos privilégios da nobreza e do clero.
Afora isso, as constituições referidas foram tributárias de significativos processos sociais, registrados nos anais da história universal, no bojo dos quais foram realçados valores relacionados à igualdade, a fraternidade, a liberdade e ao povo. Valores estes que cruzaram o Atlântico e fronteiras, influenciando fortemente vários países e revestindo-se de maior significado pela potencialidade de estabelecer uma nova ordem.
Decerto que limitar o poder do Estado, através da declaração de direitos fundamentais e da previsão do princípio da separação dos poderes, constituiu a pedra angular do constitucionalismo moderno, fruto das revoluções liberais. Como constatado, este movimento - e seus desdobramentos - foi o contraponto decisivo ao poder incondicionado das monarquias absolutistas e dos governos aristocráticos. É desse contexto que nasceu a percepção valorativa da Constituição como norma fundamental e superior que organiza e limita o exercício do poder político e assim expressa o núcleo do próprio constitucionalismo.
Por isso, a limitação do poder do Estado converteu-se na raiz do Estado Democrático de Direito, que impõe a quem o exerce obediência à Constituição. Por conseguinte, está na qualidade de lei das leis, por todos há de ser respeitada e exigida, governantes e governados. Com efeito: aos primeiros se concede um especial poder-dever, visto que exercem o poder como concessão dos segundos com o desiderato precípuo de materializar o bem comum. Há quem veja o poder-dever como a essência que irriga, legitima e consolida o regime democrático representativo vigente, face qualitativa do processo civilizatório.
O constitucionalismo continua a evoluir. Assim, o exposto permite afirmar ser bem diferente referir-se tradicionalmente à democracia como governo da maioria da concepção contemporânea de governo para todos. Desse modo, pode-se dizer que o primeiro é sua expressão formal, ao passo que o segundo plasma sua dimensão substancial. Consequentemente, a democracia em sua essência é mais que governo da maioria, é o governo para todos.
Por esse prisma, há de abarcar tanto as minorias - raciais, religiosas e culturais - quanto grupos de aparente menor expressão política, não necessariamente minoritários, tais como as mulheres, os jovens e os pobres dentre outros. Isto, por sinal, é a marca do constitucionalismo deste século, que tenciona a democracia formal e material, com vistas à concretização desta na vida política, econômica e social, num movimento perene de recíproca influência e prova inequívoca de que constitucionalismo e democracia são indissociáveis.

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“A democracia em sua essência é mais que governo da maioria, é o governo para todos”
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Na esteira do exposto, soma-se o respeito aos direitos e garantias fundamentais que é a face mais importante de uma Constituição que, além de legitimar o poder transferido pela sociedade ao Estado, expressa os valores supremos da ordem constitucional, unidos umbilicalmente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Hoje, os direitos fundamentais, previstos na Constituição brasileira de 1988, abrigam, além dos chamados direitos políticos e individuais tradicionais, os direitos sociais e coletivos. Não obstante a previsão ampliada e exemplificativa de direitos tenha suas virtudes, o fato é que pode significar nada em termos de eficácia social, caso fique refém da sua mera previsão.
Por causa disso, é consenso que a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, no contexto da predominância e atipicidade da função de cada qual, continuará a ser o meio de viabilizar e concretizar os direitos consagrados contra os desvios ou abusos dos encarregados, temporária ou permanentemente, de exercê-los.
Como tem sido percebido, o traço marcante do constitucionalismo contemporâneo é a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, abarcando tanto o interesse público primário quanto o interesse público secundário. O primeiro associado à promoção da justiça, da segurança e do bem-estar social e o segundo atado à busca do interesse das pessoas jurídicas de direito público nas esferas da Federação, tal como aqueles que buscam maximizar a arrecadação, minimizar as despesas e acatar os princípios que norteiam a Administração Pública, nomeadamente, os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. De certo ângulo, o destaque do interesse público primário retrata a passagem de um constitucionalismo estritamente liberal para um constitucionalismo fortemente social. De toda sorte, ambos os interesses são iguais no que tange ao direito de exigi-los e ao dever de assegurá-los.
A par destas apertadas considerações, vale a pena citar, a obra recente sob o título Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, de Luís Roberto Barroso, lançada pela Editora Saraiva, em cujo livro o ilustre jurista averba que "O poder deve ser legítimo e limitado". Trata-se de obra inédita, não só pela atualidade, mas sobretudo pela profundidade, relacionando de maneira qualitativa a dimensão que associa constitucionalismo, democracia e constituição.

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STAEL SENA LIMA é advogado pós-graduado em Direito pela UFPA
staelsena@hotmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

Este ano a Constituição de 1988 completará 21 ano de existência. A chamada constituição CIDADÃ.

Anônimo disse...

Importante lembrança. E a propósito, ocorrerá neste mês de setembro, em Brasília, o XII Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, nos dias 17, 18 e 19,contemplando vários temas, dentre os quais destaco: Desafios Constitucionais em Tempo de Crise; Crise e Reforma Poílitica; Constituição e Crise Econômica; Constitucionalismo e Crise de Cidadania.

Mauricio Leal disse...

parabens Staelp, muito inspirador, vou usa-lo em minha aula d hj. abs
mauricio leal dias