quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Funtelpa decide acabar com o programa Cultura Paidégua

ALBERTO SILVA NETO

Recebi com tristeza e indignação a notícia de que a Fundação de Telecomunicações do Pará (Funtelpa) decidiu acabar com o programa Cultura Paidégua, da TV Cultura. Fiquei triste porque há mais de seis anos essa revista semanal vinha cumprindo, de maneira heróica e solitária, um papel fundamental na divulgação televisiva da arte paraense em todas as suas manifestações, abordando-a com seriedade e profundidade amplamente reconhecidas por um público cada vez maior. Mas também fiquei indignado porque, embora tenha sido o criador e apresentador do programa desde a sua estréia, no dia 3 de julho de 2002, não fui sequer comunicado diretamente da decisão pela presidenta da fundação, Regina Lima, pelo diretor da TV Cultura, Dimitri Maracajá, ou pela gerente de produção, Lillian Norat. Ouvi a desastrosa notícia por telefone, na voz (também triste) da diretora do programa, Luciana Medeiros.
Certamente, será fácil para os atuais dirigentes da emissora dizerem que agiram assim porque estou afastado da apresentação do Paidégua há cerca de três meses, por opção minha. É a pura verdade, mas cabe aqui um esclarecimento. Deixei minhas funções na emissora depois de um acordo verbal com o então diretor da TV Cultura, Paulo Roberto Ferreira, e fui trabalhar como assessor de Imprensa na campanha eleitoral. Assumi o compromisso de voltar depois que acabasse o pleito, o que só acontecerá no próximo dia 26. Na ocasião, justifiquei minha decisão mostrando que ganharia em apenas 90 dias o equivalente a nada menos que três anos de salários da Funtelpa. A opção é compreensível, ainda mais se levarmos em consideração o fato de que, desde outubro do ano passado, eu apresentava o programa sem receber um centavo sequer, sacrificando o bolso na tentativa de manter o Paidégua no ar a qualquer custo. Apesar de minhas insistentes reivindicações de uma solução para o problema, o motivo alegado para a permanência do impasse sempre foi o imbróglio que restringe as contratações. Apelar a quem?
Nesse período de afastamento, meu único contato com a Funtelpa foi um encontro casual com o diretor da TV nos corredores da emissora. Nessa ocasião, Dimitri Maracajá pediu que eu procurasse a direção para tentar resolver a situação. Dias depois, recebi um telefonema da secretária da presidenta, a quem, naquele momento, infelizmente, não pude atender. Por puro esquecimento misturado ao excesso de tarefas, acabei não retornando a ligação. Depois disso, porém, não recebi mais nenhuma carta, nenhum e-mail, nenhum outro telefonema – nada que demonstrasse um verdadeiro interesse da direção de que eu fosse lá negociar o meu retorno. E entendo que caberia a eles fazê-lo, já que meu afastamento fora acordado, conforme já disse, com o diretor da TV naquela ocasião, e o prazo combinado ainda não havia se esgotado.
Para minha surpresa maior, soube que Regina Lima demonstrou espanto ao ser informada que eu apresentara o programa durante nove meses sem remuneração. Ora, se a presidenta não sabia de uma informação administrativa tão relevante assim, deve ser porque já perdeu o controle sobre a própria instituição que comanda. Ou, talvez, esteja se ocupando demasiadamente em vigiar os funcionários, segundo circula nos corredores, em nome do cumprimento de uma carga horária absurda, quando comparada aos baixos salários. Para muitos, essa atitude, ao invés de se traduzir em qualidade, só tem contribuído para levar a emissora a perder sistematicamente alguns de seus melhores profissionais e ter que reduzir drasticamente a programação local – talvez, como nunca.
Em última análise: esquecendo um pouco minha situação funcional (ou a inexistência dela) e também minha opção profissional naquele momento, acordada honestamente com o então diretor da emissora, o que justificaria acabar com um programa tão especial, ao invés de tentar mantê-lo no ar, ainda que a um custo qualquer? Ou então esperar por mais alguns dias até que o prazo que pedi encerrasse e conversar comigo? E por que tomar a decisão sem sequer conversar com a própria equipe, que há anos faz o programa, e que também foi surpreendida com a notícia? Por que essa inexplicável falta de respeito com o telespectador? Terá sido mera retaliação à minha atitude? Ou será que a TV Cultura está num buraco tão profundo que não consegue sequer substituir um apresentador por três míseros meses para impedir que um programa importante seja extinto? São atitudes arbitrárias como essa que os dirigentes da Funtelpa consideram dignas do conceito de TV pública?
Sejam quais forem as respostas, só resta lamentar, e muito. Em primeiríssimo lugar, pela arte paraense, historicamente sempre tão mal tratada (e maltratada) pela mídia, num país onde bunda de dançarina é jornalismo cultural. E, depois, pelo conjunto de equívocos da atual administração da Funtelpa, a que se soma, agora, o triste e irremediável fim do programa Cultura Paidégua. Porque quem não quer mais sou eu. É lastimável que uma decisão tomada por tão poucos, seja lá que míseros cargos eles ocupem, imponha uma perda tão grande a todos nós.

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ALBERTO SILVA NETO é ator, jornalista e ex-apresentador do programa Cultura Paidégua

9 comentários:

Anônimo disse...

Alberto está coberto de razão. Uma emissora pública não pode ficar a mercê dos humores de seus dirigentes, malsinando um programa de qualidade como era o Pai d'égua. Cadê o conselho de programação da emissora, por quê não funciona? Cadê o sindicato dos radialistas? Todo mundo emudecido em troca de DAS e vantagens pessoais.
Uma pena!

Carlos

Anônimo disse...

Bom dia, caro Paulo:

como hoje estou em casa, tentando trabalhar enquanto me recupero de uma horrorosa indisposição alimentar, me dei ao luxo de fazer algumas avaliações. E uma delas, motivada por um e-mail de um amigo sobre as idiossincrasias do Governo Ana Júlia (idiossincrasias é uma palavra educada), se fez amior ao ler a manifestação do Alberto Silva.

Que trata, de alguma forma da postura egocentrica e imaturado atual governo no que se refere ao que andava certo no governo anterior. E, ainda que competisse ao novo governo o direito de fazer os ajustes que lhe parecessem necessários - e por ajustes entenda-se inclusive substituição de pessoas e de redirecionamento de ações - a opção foi pela destruição. Rápida ou lenta.

Ao ler o texto do Alberto, revivi a mesma perplexidade que vivi ao longo de 2007, quando vi o atual governo destroçar e depois liquidar o Programa Raízes.

Coordenei o programa por 6 anos e me demiti no final de dezembro de 2006, por considerar que não trabalharia num governo que não apoiei e que dava-lhe o mesmo direito. Saí sem traumas. Foi uma decisão que mexeu profundamente com a minha vida profissional, mas foi a mais tranquila decisão da minha vida.

O Raízes era o único programa de governo no Brasil com a finalidade de respeitar a diversidade étnica e de combater a desigualdade racial na aplicação do dinheiro público.

Sustentado exclusivamente com recursos do Tesouro , com a participação dos representantes dos beneficiários nas decisões da implementação das ações, o Programa foi o estimulador e o parceiro para que o Pará alcançasse o título de campeão de titulação de terras para quilombolas. Ao final de 2006, contabilizávamos com orgulho que 53% das terras tituladas para quilombos no Brasil, estavam no território paraense.

Associações quilombolas e associações e lideranças indígenas tinham conhecimento do orçamento e das decisões que levavam a equipe do programa a optar por esta ou por aquela ação. Como fazíamos o programa "fazendo", a cada ano avaliávamos nossos erros e acertos e os ajustes necesários para fazer melhor. Nossos relatórios públicos anuais admitiam isso claramente. Portanto, o Programa precisava e poderia ser ainda melhor.

Mas, essa vertente - de melhorar o que estava funcionando bem - seria uma terrível "derrota" para o atual governo: afinal, com isso ele estaria reconhecendo que o governo anterior fez algo de bom! E isso seria o Leviatã.

Bem, caro Paulo,desculpe o desabafo, que talvez nada tenha a ver com a situação atual da FUNTELPA. Mas foi apenas um desabafo. Daqueles que às vezes a gente não contém.

Abração.

Anônimo disse...

Realmente uma perda lamentável.
Um dos poucos programas locais que ainda salvavam a mediocridade que tomou conta da "sob nova direção" Funtelpa.
Esse é o tal "governo da mudança".
Está mudando. Pra pior.

Poster disse...

Bia,
Seu comentário é dos mais pertinentes, sim.
Abs.

Anônimo disse...

É uma pena que atitudes como essa ocorrar em uma emossora pública, e, pelo que se espera, preocupada com difusão de informação no estado do Pará. O programa "Cultura Paid'égua" era sem dúvida alguma o melhor espaço na mídia para difusão e discussão do cenário cultural local. Muito bem conduzido por Alberto Silva e sua equipe. Perdem todos...a população, os artistas e, com certeza, a imagem da Funtelpa como orgão público da área da comunicação, pela sua atitude arbitrária e em total falta de sintonia com o meio cultural da cidade. Que pena...
Alexandre Sequeira
Artista visual

Anônimo disse...

nossa ... que derrota para a cultura paraense ...

Helena Saria disse...

Recebi o texto da carta do Alberto pelo e-mail e ao mesmo tempo em que fiquei pesarosa, já esperava esse tipo de comportamento dessa gestão.

Também fui vítima de uma atitude arbitrária dessa gestão, sei como é se sentir totalmente desconsiderado, como se o teu trabalho não valesse nada, como se houvessem toneladas de bons profissionais no mercado e o teu trabalho fosse absolutamente descartável.

Lamento profundamente essa situação, bem como o estado em que se encontra atualmente a tv cultura do Pará.

Espero que a governadora tome uma atitude rápida, antes que seja tarde demais...

Anônimo disse...

Caro Paulo Bemerguy
O comentário da Bia não diz onde era veiculado o programa Raizes. Na Rádio Cultura ou na TV Cultura?

Anônimo disse...

Lamentavel a atitude da emissora!
O programa era um dos poucos que ainda conseguia retratar com fidelidade a essencia de nossa cultura, com materias bem produzidas, entrevistas bem conduzidas e principalmente informação de qualidade.

Desejo sorte ao Alberto e a toda sua equipe....espero que bons ventos os levem a um caminho melhor.

Um abraço

Fabio Bentes