No AMAZÔNIA:
A caminhada será longa. Exatamente como há 216 anos, quando pela primeira vez a procissão cruzou a cidade para reverenciar Nossa Senhora de Nazaré. Naquele tempo, Belém tinha dimensões menores, população pequenina, ruelas estreitas e umas poucas estradas - berços das avenidas de hoje. Mas já se agigantava a fé que atravessaria os séculos, ano a ano, outubro após outubro, conduzindo centenas, depois milhares, depois milhões de pessoas para o coração de Maria.
O Círio que se celebra hoje deixou de ser um simples fenômeno religioso. Ganhou proporções de evento turístico. Envolve organização, investimentos, estratégias e planejamento. Movimenta devotos e curiosos. Inspira artistas, produz cultura, festa, vibração, energia. Já motivou teses, música, poesia. Nada, porém, tem maior significado que a comunhão e a solidariedade e o acolhimento humano que se aninham nos lares paraenses.
Presume-se que estarão na grande romaria mais de dois milhões de pessoas, embora, a rigor, todos os números do Círio sejam incalculáveis. Quantas promessas? Quantas pernas se atropelando ao longo do percurso? Quantas mãos agarradas à corda? Quantos olhares perdidos no infinito? Quantos rios de lágrimas? Quantas homenagens? Tudo converge para o sentimento especial, único, indefinível: a devoção à Virgem de Nazaré.
O caminho será longo e dificultoso. Mas ninguém renuncia ao sacrifício. Para o professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), José Souza, quem dita as regras de uma das maiores procissões do Brasil são os romeiros. 'Por não aceitar normas, o Círio tem hora certa para começar, às 5 horas na missa da Sé, mas não tem hora para terminar. A dinâmica do Círio depende do histórico, da vivência, de cada um dos romeiros. Está no sofrimento, na certeza e na fé de cada pessoa em Maria, estabelecendo um elo com o divino', afirmou o pesquisador.
O ritmo se impõe no calor do cortejo. Às vezes um empurrão ajuda. Pelos alto-falantes ou nas inifinitas vozes que reproduzem os apelos íntimos de quem sofre, sua, tropeça nos próprios passos, mas resiste. Círio é resistência. Em 2004, na mais longa procissão da história, foram quase dez horas de caminhada nos poucos mais de três quilômetros que separam a Catedral da Basílica Santuário. A distância parece três, quatro, cinco vezes maior. Ao romeiro, não importa. Vale todo o sacrifício para o encontro com a Mãe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário