terça-feira, 22 de março de 2016

Consequências devastadoras da sífilis


Lembro como se fora hoje. Éramos um grupo de estudantes de medicina conversando ao lado do chafariz em frente à Anatomia Patológica, quando o professor Ronaldo Araújo, saudoso mestre, pesquisador brilhante e de notório saber, parou e nos cumprimentou, e em seguida nos disse: quando forem estudar, não se esqueçam de dar uma olhadinha nos vírus e na sífilis. No momento ninguém entendeu. Aquela chamada nunca foi esquecida por mim. Hoje, com o recrudescimento das patologias virais e a sífilis, lembrei-me do conselho do grande patologista.
Para não sucumbir à ansiedade causada pelo excesso de informações da era digital, é preciso pôr os fatos em uma perspectiva histórica, aceitar que o conhecimento está em constante transformação e lembrar-se de que acontecimentos ruins muitas vezes têm desfecho positivo. Mas, nem sempre, se consegue evitar a escalada sem freio de algumas doenças, como se não bastassem a dengue, o chikungunya e a zika, os brasileiros estão sob ameaça de outra doença de consequências igualmente devastadoras. Junte-se a isso, a ineficácia das políticas públicas fez explodir os casos de sífilis no País, mas que pode ser facilmente evitada.
A sífilis é uma doença infecciosa causada pela bactéria Treponema pallidum, transmitida sexualmente, por sangue contaminado ou de mãe para filho. Nunca foi tão alto o número de gestantes e bebês acometidos pela terrível enfermidade infecciosa transmitida por essa bactéria que, se ocorrida ao longo da gestação, pode provocar nos fetos malformações. Quando a doença não é tratada pode ocorrer microcefalia, óbito intrauterino, óbito neonatal precoce, infecção congênita, pneumonia, feridas no corpo, deficiência mental, surdez, cegueira e até a morte. Para se ter uma ideia de como esta patologia está num crescente, em 2007, o total de crianças de até um ano de idade nascidas com a doença (forma congênita) foi de 5.535. A projeção para este ano é a do nascimento de 22,5 mil bebês nesta condição.
E por que o País coleciona mais essa mazela? Atribui-se ao aumento de notificações - o problema já existiria, mas só agora sua real dimensão foi conhecida -, à falta de uma campanha de prevenção e, o mais grave, à falha na distribuição de medicamentos. É mais uma das vergonhas nacionais. Vejam só, países como Canadá, Estados Unidos, Nicarágua e Barbados atingiram há três anos a meta estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de controle da doença - 0,5 casos a cada mil  nascidos vivos. Os altos números também escancaram a falha na assistência às grávidas contaminadas. A sífilis tem tratamento seguro e eficaz tanto ao longo da gravidez, para evitar a transmissão da bactéria da mãe para o feto, quanto depois do nascimento. Na primeira circunstância, a indicação é penicilina benzatina e, na segunda a penicilina cristalina. Contudo, bastaria a realização de um pré-natal como manda a cartilha - desde o início da gravidez e a aplicação do teste diagnóstico ao longo dos nove meses - e, em casos positivos, garantir às gestantes e aos bebês o acesso aos remédios.
A assistência materno-infantil no País é muito ruim, tanto ao tratamento quanto à prevenção.   Muitas vezes a mulher faz o teste na primeira consulta apenas. Mas ela pode se contaminar durante a gestação. Há muitas mães que não fazem o teste ou o fazem no final da gravidez, quando o feto já está desenvolvido, e milhares que não recebem os medicamentos.
Na verdade, os dados são assustadores, temos que estar em estado de alerta para essa situação. Infelizmente, há uma banalização em torno das doenças sexualmente transmissíveis. Estamos vendo o crescimento de muitas dessas enfermidades. As pessoas precisam usar o preservativo nas relações. E o poder público precisa intervir. É fundamental que o acompanhamento na gestação seja bem-feito, mas muitas grávidas não estão chegando no pré-natal. No Brasil, 23% dos casos foram diagnosticados no terceiro trimestre de gravidez, o que significa que até então essas mulheres não tinham nenhuma assistência. Tudo isso é muito preocupante.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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