segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A culpa é da crise


Faz tempo, conta-se uma história assustadora, não sei se de suspense ou de terror. Contudo, não se trata, a rigor, de revelação, o enredo está ao alcance de quem for medianamente atento às coisas do mundo. Ocorre, porém, registrar com precisão ao conectar fatos, ao fornecer números e ao tirar conclusões. Cidadãos incontestes, e os governos nacionais agem na melhor das hipóteses, como seus governadores de províncias. Eles determinam e os outros se adéquam. Adaptam-se. Conformam-se. Se por acaso, preferirem, executam.
O homem estava sempre fora do desenho perfeito e, nesta linha, o neoliberalismo imposto ao mundo pelos donos efetivos do poder globalizado é o último efeito da ingestão do fruto proibido. Trata-se de um jogo de convivência. Um jogo que testa. Fique atento ao que ocorreu no penoso ano de 2011, e continua a ocorrer sem previsão quanto ao desfecho da crise mundial: os governos nacionais repetem os erros cometidos em 2008, na primeira onda do terremoto, logicamente, que, agravados dramaticamente pela repetição, em obediência aos interesses dos inoxidáveis donos do poder real. A segunda onda do terremoto transcende em virulência a primeira e ameaça causar danos maiores do que o oxi de 1929. Ao final e ao cabo, habilite-se a tragar o euro sem deixar de globalizar a tragédia.
Medidas excessivamente rigorosas são tomadas na Europa na tentativa de salvar a moeda, com chances de êxito, na avaliação de especialistas. A linha escolhida então conferiu ao Estado um papel soberano e se pautou, digamos assim, pela equidade no empenho em promover emprego e taxar os ricos. Ações que carregam a satanização, o cheiro acre, demoníaco do enxofre, aos narizes dos representantes das corporações financeiras, muitos deles instalados no timão de economias regionais e nacionais. Aventa-se a hipótese de que neste momento, mais funcionam hoje as ações entre amigos, e a tal de equidade que se estrepe.
No Brasil, o endividamento das famílias brasileiras se deve, principalmente, aos cartões de crédito, alimentos e juros na estratosfera. Há que se fazer redução do consumo. Há que se driblar a crise. Ministros em queda e cena europeia exigem esforço extra para manter régua e compasso. O ano de 2011 foi bom para o governo. Mas poderia ter sido melhor. Para a oposição, trouxe principalmente más notícias.
Quando começou o ano de 2011, o maior desafio que Dilma Rousseff tinha pela frente era assumir o lugar de Lula e não deixar que a maioria da população, que o aprovava enfaticamente, sentisse saudade. Ficasse com a sensação de haver perdido algo que prezava. Isso, ela conseguiu e não foi um feito desprezível. Dilma encarna com naturalidade a Presidência pós-Lula, algo nada trivial. E se firma com a faxina ministerial. De Palocci a Lupi, uma sequência de demissões que reforçaram a imagem de Dilma.
O Brasil tem chance diante da crise ideológica que arrasta Europa e EUA. O País precisa realizar reformas, a começar pelo desmanche dos instrumentos de indexação, tarefa adiada governo após governo desde 1994. Cuidados com os efeitos negativos do darwinismo social, eles precisam ser neutralizados mediante ação jurídica e política do Estado. Sobrinha-neta de Franz Kafka, a economista tcheca Stephany Griffith-Jones gosta de se referir ao tio-avô quando explica por que estuda há décadas o sistema financeiro internacional. “Não existe nada mais Kafkiano”, gosta de resumir com ironia.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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