domingo, 5 de julho de 2009

O hilário CQC


A gente se costuma a criticar os governos por serem omissos ou incompetentes, quando não mal intencionados. Políticos sendo acusados de corrupção é tão trivial que as exceções se vão tornando ícones, ralas esperanças nossas. Difícil é encontrar homens honrados, os cidadãos ilustres e respeitados, que buscam o bem da pátria e do povo, independente de cargos, poder e vantagens?
Transgredir no mau sentido é natural entre nós. Nesta nossa terra, muitos cidadãos destacados, líderes, são conhecidos como canalhas e desonestos, mas, ainda que réus confessos ou comprovados, inevitavelmente se safam. Continuam recebendo polpudos dinheiros. Depois de algum tempo na sombra, feito eminências pardas, voltam a ocupar importantes cargos de onde nos comandam.
Na realidade, fazem tudo isso e muito mais, e nada lhes acontece. Governantes, os bons e esforçados, viram objeto de ódio de adversários cujo interesse não é o bem da comunidade, Estado ou país, mas o insulto, o desrespeito, a violência moral do pior nível. Aliás, nesses casos o nível não importa, o que importa é destruir.
Nada se compara, nesse ponto, ao espetáculo de empreguismo alucinado daqueles que "trabalham" na parte convexa do Congresso Nacional exibem ao público exatamente agora, dentro do processo de depravação generalizada no qual vem se afundando cada vez mais nos últimos meses. É um dos grandes momentos do pensamento oficial, sem dúvida, afirmar que o funcionalismo brasileiro está "enxuto", quando se descobre que o Senado mantinha havia anos um sistema de "atos secretos" para esconder os empregos dados a parentes e agregados dos gigantes da vida pública nacional.
A coisa fica ainda mais feia quando se constata que o desastre começa no topo da pirâmide, de onde deveria vir o bom exemplo - justo com o presidente da casa, senador José Sarney. O ex-presidente é tido como um dos parlamentares mais bem informados do Brasil. Ao mesmo tempo, é um dos "menos informados". Não sabia que um neto e a mãe do neto tinham empregos no mesmo local de trabalho frequentado por ele; além disso, tinha duas sobrinhas com cargos no Senado. Não sabia que a casa tinha 181 diretores e, pasmem, não sabia que ganhava um "auxílio-moradia" de R$ 3.800 por mês.

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“Governantes, os bons e esforçados, viram objeto de ódio de adversários cujo interesse não é o bem da comunidade, Estado ou país, mas o insulto, o desrespeito, a violência moral do pior nível.”
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Agora, quem põe fogo no circo é o Custe o Que Custar, o CQC, com seu repórter-humorista Danilo Gentili, que virou o terror dos políticos de Brasília. Com Sarney no epicentro dos escândalos, recentemente, o ex-presidente foi encurralado numa das saídas do Congresso. Gentili disparou uma questão espinhosa sobre a campanha institucional que o político sacou da manga para despistar as denúncias: "O melhor não seria uma campanha para os senadores pararem de se meter em escândalos?". Com seu modo irreverente de perguntar o óbvio, Gentili se converteu numa figura temida pelos políticos.
Dia desses, teve um bate-boca com o deputado Sergio (cara de lixa) Moraes, aquele que se lixa para a opinião pública. O repórter o perseguiu pelos corredores da Câmara. Moraes sacou de um palavrão e reagiu com sua costumeira elegância chamando-o de veado. "Vibrei de ver o circo pegar fogo" diz o humorista. Gentili deu à sátira uma voltagem de TNT. Antes dele, Jô Soares, Chico Anísio também fizeram críticas, mas ultimamente a contundência que se via nessa área vinha do Casseta & Planeta, com suas imitações mordazes de figurões da política.
O CQC vai além, ao investir no enfrentamento direto. O humorista encarna o papel de "repórter camicase". O apelo é claro: os espectadores do programa sentem um gostinho de vingança ao ver os políticos ridicularizados e confrontados com verdades que gostariam de dizer "na cara". Os comediantes brasileiros são muito amenos. Preferem fazer humor circense a apontar o dedo para os políticos, afirma Gentili.
Segundo ele, os políticos brasileiros (em especial os da esquerda) são desprovidos de senso de humor. Um dos mais travados é o deputado José Genoíno. O petista ligado ao episódio do dólar na cueca vive fugindo de Gentili. Mas não são só os políticos que estão sujeitos ao veneno do CQC. Recentemente, o humorista triturou o cantor Paulo Ricardo, ex-RPM, numa entrevista. "Obrigado por ter atendido a gente antes de começar seu show", disse ele. "Assim, dá para a gente ir embora antes de você cantar".
O programa pleiteia uma credencial para atuar no Senado. A Polícia do Senado já emitiu parecer contrário. "A revista Economist disse que Sarney é um dinossauro. Mas isso é uma injustiça. Os dinossauros estão extintos, não fazem mais mal a ninguém". Piada dói. Mas afirma Gentili: "Humorista tem licença para matar".

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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