Na VEJA:
"Alguém tinha deixado uma revista no banco, ao meu lado, e comecei a ler, achando que assim ia parar de pensar no Professor Antolini e num milhão de outras coisas, pelo menos durante algum tempo. Mas a porcaria do artigo que comecei a ler quase que me fez sentir pior ainda. Era sobre os hormônios. Mostrava a aparência que a gente deve ter – a cara, os olhos e tudo – quando os hormônios estão funcionando direito, e eu estava todo ao contrário. Estava parecendo exatamente com o sujeito do artigo, que estava com os hormônios todos funcionando errado. Por isso comecei a ficar preocupado com os meus hormônios. Aí li outro artigo, sobre a maneira pela qual a gente pode saber se tem câncer ou não. Dizia lá que, se a gente tem alguma ferida na boca que demora a sarar, então isso é sinal de que a gente provavelmente está com câncer. E eu já estava com aquele machucado na parte de dentro do lábio há umas duas semanas. (...) Calculei que devia morrer dentro de uns dois meses, já que estava com câncer. Foi mesmo. Eu estava certo de que ia morrer. Evidentemente, essa ideia não me deixou muito satisfeito."
O trecho do parágrafo anterior é de um romance que, durante décadas, foi o livro de cabeceira de milhões de jovens ao redor do mundo: O Apanhador no Campo de Centeio, do americano J.D. Salinger. Lançado em 1951, ele é um registro magistral das perplexidades, anseios, medos e descobertas de um adolescente que foge do colégio interno, vaga sem destino certo e acaba internado numa clínica, por "esgotamento", onde resolve fazer o relato de seu périplo. Quem leu o livro dificilmente esquece o nome do personagem: Holden Caulfield, para quem tudo (ou quase tudo) é uma porcaria. E para quem tudo (ou quase tudo) é motivo de saudade. Paradoxos de quem tem os hormônios "funcionando errado", claro. Os adolescentes continuam a ter um quê de Holden Caulfield dentro de si, mas mudaram muito desde que Salinger publicou seu romance. Mudaram muito porque mudamos todos nós, e bastante. Em parte, houve evolução; em parte, talvez, involução. Ganhou-se em liberdade e pragmatismo; perdeu-se em encantamento e idealismo. Os jovens não poderiam ficar fora da curva dessa trajetória.
VEJA foi a campo tentar descobrir como os adolescentes atuais poderiam ser identificados se tomados como um todo. Sim, é uma generalização, e como toda generalização deve ser olhada com cuidado. Mas quem sabe ela possa subsidiar pais angustiados (e irritados) com moças e rapazes para quem, de uma hora para outra, eles, antes tão adorados, se tornaram "ridículos". Durante dois meses, a revista ouviu dezenas de jovens, pais, psicólogos e educadores sobre os desejos, dúvidas, receios e ambições da adolescência dos anos 2000. Uma enquete com 527 pais e jovens de 13 a 19 anos de todo o país, disponibilizada por uma semana no site VEJA.com, identificou hábitos e comportamentos da geração que daqui a vinte anos estará no comando do país. Eis algumas conclusões: os meninos e meninas que nasceram a partir de 1990 não almejam fazer nenhum tipo de revolução – nem sexual nem política, como sonhavam os jovens dos anos 60 e 70. Mudar o mundo não é com eles. O que querem mesmo é ganhar um bom dinheiro com seu trabalho. São também mais conservadores em relação aos valores familiares (embora os pais, lógico, sejam "ridículos"), de acordo com o maior estudo de hábitos e atitudes da população adolescente brasileira, conduzido pela empresa de consultoria Research International. Fruto da revolução tecnológica e da globalização, eles formam, ainda, a geração do "tudo-ao-mesmo-tempo-e-agora" (uma das inúmeras expressões com as quais os especialistas tentam defini-los). São capazes de realizar várias atividades ao mesmo tempo (as de estudo, nem sempre a contento), porque celular, iPod, computador e videogame praticamente viraram uma extensão do corpo e dos sentidos. É, enfim, uma juventude que vive em rede, com tudo de bom e de ruim que isso significa. Afirma Felipe Mendes, diretor-geral da Research International: "O que preocupa nesta geração é que eles são concretos em relação a dinheiro e trabalho, mas muito básicos em seus sonhos e impessoais e virtuais nos prazeres que deveriam ser reais".
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