Sim. Belém tem disso.
Tem calçadas arrebentadas.
Tem insegurança.
Tem violência.
Tem gente que faz xixi na rua.
Belém tem disso tudo.
Mas também encantos.
E como.
Leitor manda pra cá um texto saboroso de Carlos Alberto Dória.
É meio antigo – de janeiro deste ano.
Mas vale a pena ler.
Vale a pena constatar que nem tudo está perdido.
Que os encantos de Belém ainda estão preservados.
Há esperança, enfim.
Enquanto há encanto, há esperança.
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A riqueza sem preço de Belém
Por Carlos Alberto Dória
“Menina, coma a goma! Ela é boa porque forra o estômago e protege do ácido do tucupi. E olha que eu não coloquei muita para você...” Desse modo, entre medicinal e maternal, a senhora procura convencer a turista de que o tacacá deve ser consumido do modo como foi apresentado, sem aquelas simplificações que sempre se procura impor às comidas regionais, como ao vatapá baiano, hoje já feito na versão “para paulista”. Mas, ao contrário do comedimento da pimenta baiana, em Belém a gosma da goma é uma proteção, um antídoto contra qualquer excesso que já vem incluído na iguaria.
Criada em 1621 por Felipe III da Espanha, a capitania do Gram-Pará Maranhão, tendo passado por subdivisões em 1755, só veio a se integrar de fato ao Brasil na Independência, em 1822. Daí em diante suas rendas deveriam ajudar a sustentar a burocracia da corte em território brasileiro. Mas ali, ainda durante o século 19, falava-se a “língua geral” que os jesuítas, expulsos pelo Marquês de Pombal, improvisaram num misto de português e tupi. Talvez por essa história ainda se tenha a estranha sensação de que o Brasil está de costas para o Pará, assim como o Pará está de costas para o Brasil. Nenhum parece depender do outro.
De fato, é um destino longínquo. Custa tanto ir a Belém quanto a Paris. Para um turista do Sul ou do Sudeste, só o raciocínio utilitário suscitado pelo uso de milhagem aérea doméstica aponta em direção ao Pará. E, claro, um certo apelo moderno pelo “exótico” ajuda a vislumbrar ali a valorizada Amazônia.
Manaus é a “capital real” da Amazônia, devorada pela lógica mercantilista da sua zona franca. Belém é a “capital ideal” da Amazônia, ainda não totalmente afetada pelo capitalismo transnacional. Ali, o isolamento histórico é uma virtude notável.
Apesar das ruas largas, cujo traçado no início do século 20 mostra uma mesma influência francesa que se fez sentir também no Rio de Janeiro, Belém é uma cidade que não esconde sua feição antiga.
Os casarões coloniais, muitos em fase de restauração, não foram destruídos até agora pela voragem imobiliária. Galos cantam em sinfonia de madrugada, em pleno coração da cidade. As avenidas arborizadas com mangueiras remetem a um tempo em que certamente não havia carros como hoje, mas nem por isso foram arrancadas como seriam árvores paulistanas que atrapalham o trânsito. Ao contrário, o capitalismo teve que se adaptar: há seguros de veículos com cláusula de danos provocados por mangas...
O comércio de frutas locais nas ruas, além da marginalidade que todo tipo de camelô exprime, revela uma economia de subsistência tentacular, que une locais distantes às margens do grande rio ao núcleo urbano. Os gadgets chineses ainda não têm a mesma importância que as frutas da época.
O rio preside a cidade. Há um esforço para voltar a expansão urbana para o traçado do rio Guamá, como se a civilização devesse seguir sempre os caprichos da natureza. Novas avenidas são desenhadas, dando a direção dos negócios imobiliários, onde começam a surgir condomínios modernos, guetos de classe média. Ainda que haja uma “miamização” da orla, talvez ela não pressione a cidade de forma tão destrutiva como ocorre com outras cidades, pois aponta no sentido de uma zona de escape sobre territórios novos. O rio dirige e limita.
Nos próximos anos, 5 mil novos leitos hoteleiros de quatro e cinco estrelas serão disponíveis na cidade, onde hoje existe quase nada. O aeroporto já está dimensionado para o futuro. A restauração de locais forjados para a visitação turística, que até dois, três anos atrás não ocupavam mais de um dia do visitante, hoje já podem preencher de três a quatro dias. Não há dúvida: o boom turístico acontecerá em breve.
Ao contrário de destinos como os do litoral nordestino, que oferecem sol o ano todo, Belém oferece chuva o ano todo. Meses nos quais chove todo dia alternam-se como outros, nos quais chove o dia todo -brincam os habitantes da cidade. Este “clima de Macondo”, que Garcia Márquez imortalizou, é a marca da Amazônia. Mas, além de se molhar à beça em qualquer trajeto que se faça por mais de uma hora a pé, o visitante se depara com outros ineditismos.
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