Leia aí embaixo uma nota que o jornalista Hélio Gueiros publicou em sua coluna, no jornal Diário do Pará, no dia 22 de junho passado:
Benedicto
José Ribamar me lembra um episódio da vida de Benedicto Monteiro, grande político e grande escritor, falecido recentemente. Nos idos de 1968, Carlos Marighella, líder da Aliança de Libertação Nacional, veio clandestinamente a Belém para tentar recrutar Bené para comandar movimento guerrilheiro que pretendia instaurar no Pará. Bené não concordou com a sugestão de luta armada e traiçoeira preferindo continuar o seu combate com luta cerrada peito aberto mas não sanguinária. Mas os agentes da ditadura não fizeram distinção entre Marighella e Benedicto. Mataram Marighella e perseguiram Benedicto nas matas de sua terra natal, Alenquer. Prenderam Benedicto, amarraram-no como se fosse um porco e, descalço, maltrapilho, o puxaram pelas ruas de Santarém. Rádios, jornais e televisões foram acionados pelos agentes da ditadura para documentar o tenebroso espetáculo que tinha o objetivo de tentar desmoralizar o heroísmo de Bené e amedrontar os que lutavam contra a ditadura. Quem conviveu com Bené até o fim dá testemunho de que ele não guardou ódio nem rancor dos seus algozes. Fechou os olhos em paz consigo e com os outros.
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Agora leia o artigo que o jornalista e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) Oswaldo Coimbra teve publicado em O LIBERAL de ontem (30) e atente, sobretudo, para o trecho em que se menciona o jornalista Hélio Gueiros, então deputado estadual pelo PSD:
Um drama na vida de Bené
O momento mais terrível da vida política de Benedicto Monteiro foi, certamente, o dia 14 de abril de 1964, quando, perseguido nas matas do interior do Estado por militares que haviam recebido ordens de matá-lo, se isto fosse necessário à sua captura, ele se viu também abandonado por seus colegas, deputados da Assembléia Legislativa, que cassaram seu mandato numa sessão transmitida pelas rádios de Belém. A ata desta sessão foi arrancada dos anais da Assembléia Legislativa e destruída, como constatou o próprio Benedito Monteiro, quando teve condições de procurar detalhes de sua cassação. No entanto, o jornal O LIBERAL publicou no dia seguinte um relato minucioso do que ocorreu na Assembléia. Na época, o jornal não pertencia ainda a Romulo Maiorana e estava ligado ao Partido Social Democrático (PSD).
Como pesquisador, gostaria de prestar minha homenagem à memória de Benedicto Monteiro, transcrevendo aquela matéria jornalística para que a opinião pública do Pará conheça melhor este instante tão dramático da vida de Bené. Este foi o relato do jornal:
“Em sessão extraordinária convocada por sua Mesa Diretora, a Assembléia Legislativa do Estado cassou ontem, por trinta e quatro votos, o mandato do deputado Benedicto Vilfredo Monteiro, ex-líder da bancada do Partido Trabalhista Brasileiro, por atividade subversiva.
Aberta a sessão pela 1º vice-presidente Dionísio Bentes de Carvalho, o 1º Secretário, Álvaro Kzan, leu o edital de convocação e a resolução da Mesa cassando o mandato do senhor Benedicto Monteiro.
Usou da palavra o deputado José Maria Chaves, para levantar uma questão de ordem sobre a legalidade da convocação da sessão, pois que tinha dúvidas quanto à tramitação correta da resolução que não teria cumprido os prazos regimentais. A Mesa, respondendo à questão de ordem do representante oposicionista, informou que tudo foi feito (de modo) perfeitamente legal. O deputado João Reis, em nome da bancada do PTB, foi à tribuna para dizer que seus companheiros e ele próprio votariam pela cassação do mandato, pois estariam votando não contra um companheiro, mas contra certas atitudes que ultimamente vinha tomando, frontalmente contrárias ao regime democrático de Governo. Emocionado, o deputado João Reis lamentou que tivesse a Assembléia de tomar a atitude drástica de cassar o mandato de um de seus membros, mas que estava fazendo exatamente a defesa da Bandeira Nacional, que estava sendo ameaçada em sua estrutura e no respeito que devia inspirar no povo brasileiro.
O deputado José Maria Chaves, em nova intervenção na sessão, falou do desrespeito que se estaria cometendo, pois que o próprio Ato Institucional já dá direito ao Comando Supremo da Revolução de cassar mandatos, faltando competência à Assembléia para tomar aquela atitude. Disse que estava satisfeito por ver que a Revolução não está atingindo somente os comunistas, pois vai chegar a vez dos contrabandistas e dos corruptos e corruptores que enlamearam o governo federal. O deputado José Maria Chaves ainda elogiou as Forças Armadas por terem acordado em tempo de defender o Brasil da infiltração comunista e disse que todos eles, os comunistas, deveriam ser transferidos e deportados para países onde o regime por eles professado está por cima.
O deputado Hélio Gueiros, em nome da maioria, disse que a Assembléia Legislativa estava agindo corretamente eliminando de seus quadros um elemento que não escondia sua crença na ideologia comunista, e, portanto, subversiva ao regime democrático.
O deputado Geraldo Palmeira falou de sua gratidão ao governo do Estado pela solidariedade e apoio incondicional que lhe deu quando da morte de sua genitora. Manifestou-se favoravelmente pela cassação do mandato desde que seja para defender a democracia, mas disse que a democracia ‘não é só isso que aí está, democracia é acabar com a miséria e com os privilégios’.
O deputado Gerson Peres, como líder da UDN, ocupou a tribuna para sugerir que fosse dada uma chance de defesa ao deputado Benedicto Monteiro, o qual deveria ser chamado por um edital, para oferecer defesa às acusações que lhe eram formuladas como elemento subversivo.
Após os pronunciamentos, o vice-presidente Dionísio Bentes de Carvalho colocou em apreciação do Plenário e este aprovou a proposta do deputado João Reis para (que) a votação fosse nominal e não secreta.
Feita a chamada de todos os senhores deputados presentes, responderam ‘sim’, isto é, pela cassação do mandato do senhor Benedicto Monteiro, todos os trinta e quatro presentes.
Logo depois da votação, a Mesa proclamou o resultado e encerrou a sessão extraordinária, mandando a secretaria expedir comunicação ao suplente José de Saraiva Macedo, do PTB, para que assuma o lugar de titular na bancada de seu partido.
Faltaram à sessão de ontem os deputados Américo Brasil, Nagib Mutran e José Gurjão Sampaio.”
2 comentários:
Meu amigo, é o Roberto, teu colega de trabalho na JF. Tubo bem?
Meu avô foi quem presidiu referida sessão. Depois também acabou cassado (1967). Talvez a pessoa que fez a matéria pudesse, quem sabe, outro dia, referir-se a isso.
Não vou julgar o quê fizeram, mas acho que ninguém gostaria de estar na "alma" deles naquele momento.
Meu irmão mais velho, o Dionysio Carvalho, e que há anos reside fora de Belém, bem como a Vera Fidalgo, minha prima, foram conteporâneos, de Colégio, do filho de Benedicto, o "Ben", e nunca sentiram da parte dele qualquer mágoa a respeito do assunto.
Nossa família tem a nítida impressão de que a intenção do autor da matéria não foi outra senão a de noticiar os fatos, a merecer de todos a devida reflexão.
Sexta-feira e sábado últimos foi publicado, respectivamente no jornal "o liberal" e nesse blog um artigo de minha autoria, em que fiz uma homenagem ao advogado italiano Francesco Carnelutti, autor do livro "As misérias do processo penal".
Agora é nossa vez de pedir ao autor da matéria que reflita sobre um dos pensamento desse i. advogado, cujo trecho também foi destacado em tal artigo:
"O perigo mais grave é atribuir ao outro a nossa alma, ou seja, julgar aquilo que ele sentiu, compreendeu, quis, segundo aquilo que sentimos, compreendemos, queremos."
Pedimos que esse comentário seja entregue ao i. pesquisador Dr. Osvaldo Coimbra, bem como publicado no blog e, se possível, em "o liberal", com o mesmo destaque.
Abraços,
Roberto Paixão Junior e família Carvalho.
Mano,
O velho Bené, que conheçi desde menino, não precisa ter sua memória defendida pelo Hélio Gueiros, sobre quem o professor Coimbra faz uma revelação surpreendente incluindo-o como um dos algozes do então deputado petebista.
Como contribuição ao debate, encaminho-te artigo sobre a memória de Bené escrito por Lúcio Flávio Pinto e publicado por O Estado do Tapajós para que, assim desejando, postar em teu blog de modo a enriquecer os teus leitores sobre a história do Pará.
Miguel Oliveira
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O caboco que deu vida a um mundo em extinção
Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Em 1971 minha temporada paulista foi interrompida por alguns meses em Belém. Logo que aqui cheguei, Benedicto Monteiro me entregou os originais de um livro que pretendia publicar. Com surpresa, vi que o ex-político, então no exercício da profissão de advogado, escrevera um romance. Mas não um romance qualquer: era uma grande obra de ficção. Voltei a Bené e lhe mostrei os originais, com muitas anotações minhas, manifestando-lhe meu entusiasmo. Devia publicar logo: Verde Vagomundo certamente iria causar impacto nacional. Ele me confessou que já havia mandado os originais para três ou quatro pessoas, autoridades locais em literatura, mas não recebera qualquer resposta.
Para estimulá-lo ainda mais, escrevi uma série de três artigos em A Província do Pará, dando minha opinião: a Amazônia voltava a ser tema literário de primeira linha. Num momento em que o mundo da natureza, no qual o homem nativo era ainda um detalhe, começava a ser destruído pelo colonizador, Benedicto Monteiro, com fina sensibilidade e conhecimento íntimo das coisas que dizia, nos reconciliava com a "nossa" Amazônia, sem dissociá-la da nova aventura em que era metida, por conta dos caminhos abertos no seu interior para migrantes de todo país (e captados pelas ondas hertzianas do rádio).
Tão logo Verde Vagomundo saiu, lançado no Rio de Janeiro por uma pequena editora de um amigo de Bené, Lúcio Abreu, mandei um exemplar para Léo Gilson Ribeiro, em São Paulo. Crítico de respeito, Léo também se encantou com o romance. Escreveu uma página de elogios no Jornal da Tarde, o vespertino de O Estado de S. Paulo, abrindo as portas do país à excelente novidade vinda do distante e mal-conhecido Norte. Empolgado, Benedicto partiu para o segundo e igualmente bem-sucedido livro: O Minossauro. Abri para ele a capa do Bandeira 3, o semanário que editava em 1975, e espaço para uma longa entrevista e um artigo sobre o novo livro.
Parecia que teríamos um novo Dalcídio Jurandir, desviado do Marajó para o Baixo-Amazonas, centrado na siciliana Alenquer. Mas os redutos sulistas não se renderiam como as muralhas de Jerusalém às cornetas de Josué. Nem os elogios e nem a acurada análise de um paraense cosmopolita, como Benedito Nunes, deram a Bené o reconhecimento que ele merecia só pelos dois livros, melhores do que obras incensadas pela crítica auto-suficiente do eixo dominante da cultura (e de tudo mais) do Brasil.
Não era de admirar: o que acontecia ao escritor se repetia em tudo na relação entre a periferia e o centro do país. Mas Bené era um caboco valente e decidido: foi lançando um livro depois do outro. No meu entendimento, como os dois primeiros romances continuaram a ser o modelo, tiveram com os demais a relação de uma base concentrada com sua diluição. Houve perda de qualidade na super-exploração dos motivos originais, que constituíam a grande força de Verde Vagomundo e Minossauro.
Bené não gostou das críticas, que se estenderam ao campo da sua atuação pública, como procurador-geral do Estado e político, de volta à atividade depois da quarentena compulsória pela cassação. Como havia um afeto mútuo, desenvolvido durante a fase de relacionamento mais constante que tivemos, foi preferível evitar os atritos, cada um levando a própria vida e nela procurando fazer o melhor, para si e os demais. Continuei a acompanhar a atividade de Benedicto Monteiro a certa distância, mas com grande interesse - e inabalável admiração.
Se não fosse advogado, político e escritor, Bené já justificaria o carinho geral que conquistou como pessoa. Era um típico caboco (não caboclo) do Baixo-Amazonas, eficiente cultivador de suas raízes, companheiro alegre e generoso, prosador emérito. Suas qualidades pessoais foram realçadas e multiplicadas pela companhia de sua mulher, Wanda, que morreu quatro antes do passamento do marido. Benedicto Wilfredo Monteiro se foi no dia 16, depois de incrível resistência, aos 84 anos. Enfrentou como um bravo as sucessivas doenças que interromperam nos últimos anos seu currículo de homem saudável. Só cedeu quando, entre dores, começou a sentir o chamado da mulher que amou. Virou-se para quem estava próximo e pediu que o deixassem ir. E assim, como um amante de tudo que a vida ofereceu, foi atrás de Wanda. Entre nós, muito vivo, deixou Miguel dos Santos Prazeres, o maior dos filhos que concebeu em seus escritos, e a família, que em torno dele viveu e, armada de sua memória, abrirá novos tempos na sua história.
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