Todos ainda estamos sob o impacto deste acidente trágico que matou oito pessoas na estrada de Salinas, no último domingo.
Todos sabemos como é difícil, como é desolador perder um parente ou um amigo.
Muitos sabemos como essa dor é maior ainda quando são jovens que têm a vida interrompida abruptamente.
As circunstâncias em que ocorreu o acidente – numa estrada, em local ermo, sem quase nenhuma testemunha e com praticamente todas as vítimas mortas – tornam ainda mais difícil saber, ao certo, qual a sua causa, quais as origens, o que favoreceu a colisão dos dois veículos que conduziam as vítimas. É difícil identificar até mesmo um provável terceiro carro que teria provocado o acidente.
Mas há outros fatos que podem oferecer elementos objetivos de aferição e avaliação sobre o que ocorreu. Compreendê-los e conhecê-los é essencial para que tragédias como essa não voltem a se repetir.
Frederico Guerreiro tem um blog, O Intimorato. Intimorato, Guerreiro deixou lá uma postagem intitulada De quem é a culpa, afinal?, na qual não apenas lamenta a perda de vidas humanas como dá um testemunho, faz uma descrição sobre as condições da estrada que liga a BR-316 a Salinas.
Vale a pena ler a postagem de Frederico Guerreiro, sobretudo o trecho que o blog destaca abaixo, com informações sobre a rodovia:
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A estrada para Salinópolis é notoriamente conhecida pelo ruim estado de conservação. Uma “batedeira asfáltica” a partir do trevo da BR-316. Costuma-se apelidá-la de “remendão”. A situação é paradoxal: o mais badalado balneário do Pará, freqüentado pela nata da sociedade paraense, sempre recebeu pouca atenção em sua infra-estrutura rodoviária de acesso, mais especificamente a PA-324 e a PA-124. As duas juntas fazem o percurso que vai da BR-316 até Santa Luzia e a segunda, desta até Salinópolis.
Certa vez, ao dirigir pelo perigoso trecho, à noite, debaixo de forte chuva (nem sabia onde estava por falta de sinalização vertical), fui obrigado a parar o carro no acostamento, por causa da falta das faixas sinalizadoras, o que me impedia de diferenciar a mão da contramão. É errado parar no acostamento sob forte nevoeiro ou chuva (o correto é reduzir a marcha). Porém, na falta de sinalização ao motorista sobre onde fica a estrada, em caso extremo, o mais sensato é simplesmente encostar e esperar melhorar a visibilidade. Nem que seja no meio do mato.
A rodovia que já foi palco de tantas tragédias foi asfaltada há cerca de quatro décadas, quando o tráfego ainda era compatível com o da “maria-fumaça” da estrada de ferro Belém-Bragança em final de carreira. Hoje, do jeito que está, não é concebível que ofereça condições seguras para um tráfego veloz e intenso, principalmente em época de veraneio. Há estatística da Polícia Militar do Pará de que mais de 3 mil veículos chegaram ao balneário, só no último final de semana. É muito carro para pouca estrada.
Certo é que o motorista prudente reduz a velocidade em condições de pista difíceis. Mas não há como evitar os excessos em função do aumento fabuloso da frota, da tecnologia que atualmente nos dá maior segurança em nossos automóveis, e ainda que com o agravamento gradativo da legislação de trânsito. A estrada foi construída em uma época em que a velocidade máxima permitida era de 80 km/h, embora a velocidade adotada pelos motoristas de hoje e de ontem seja aquela que dá para ser desenvolvida segundo um juízo próprio de autoconfiança, quando não os 110 km/h para alguns trechos das rodovias federais, incompatíveis com a PAs em questão.
A equação velocidade, falta de infra-estrutura de transporte rodoviário, condições adversas e a imprudência só pode nos trazer resultados negativos. Quantas vidas mais será o preço bastante para que os governos dêem mais atenção à estrada de “Salinas”? Se relegamos a um segundo ou último plano o transporte ferroviário e o fluvial, com tanta água e extensão territorial que se tem por aqui, devemos ao menos tentar disfarçar nossos sofismas de "falha humana" para justificar nossos vícios pela cultura de andar de carro, de tê-lo quase por indumentária e cobrar de nossas autoridades providências compatíveis com nosso desenvolvimento econômico.
Assombra-me imaginar que qualquer daquelas pessoas que perderam as vidas poderia ser uma filha minha, de carona com alguma amiguinha, coisa muito comum de nossa juventude. É o que quase sempre acontece nos mais pavorosos acidentes.
Externo aqui os meus sentimentos pelas vidas que se foram e minha solidariedade com os familiares das vítimas, amigas de amigos em comum no Orkut.
O Pará está de luto. O “pacotão veraneio de 2008” da fatídica estrada de Salinópolis, somado ao de Igarapé-Miri e outros, foi um generoso presente dos sucessivos governos incompetentes no trato com a coisa pública. Aquelas vidas foram os juros cobrados pela falta de uma atuação eficiente, do passado até a atualidade.
Procura-se um culpado para a tragédia. Mas a verdade é que ela vem sendo desenhada há décadas. Ora pela imprudência, ora pela incompetência governamental. Tudo o mais é apenas especulação.
6 comentários:
Bom dia, caro Paulo:
você e Frederico têm razão. Mas, jamais nos lembramos de cobrar ou de agir sobre as montadoras de veículos, que deixam aqui a sucata da indústria automobilística e que para exportar para o "mundo real" incluem cerca de 3 mil ítens de segurança.
Repito: meu comentário de forma alguma desvaloriza o seu e o de Frederico.
Um abraço.
Realmente, Bia.
E tudo concorre para que tragédias como essa aconteçam.
Infelizmente.
Abs.
O post e os comentários são muito pertinentes.
Mas, uma fiscalização INTENSA E RIGOROSA EM TODO O TRECHO entre Belém e Salinas já conteria os excessos e evitaria tragédias.
Infelizmente, por falta de pessoal e/ou equipamentos e/ou viaturas em quantidade suficiente, a PRF se limita a alguns trechos.
Dificilmente se vê fiscalização em pontos mais distantes de Belém, o que leva os imprudentes, os irresponsáveis, os eternamente apressados e os "ases do volante" a liberar toda a sua maluquice pondo em risco a vida dos outros.
Mesmo em horários fora dos picos de utilização das estradas, podemos assistir barbaridades e idiotices perpetradas por irresponsáveis em alta velocidade nos trechos sem fiscalização.
Enquanto não se equaciona as melhorias nas estradas (cuja capa asfáltica realmente já extrapolou há muito a validade), penso que incrementar a fiscalização durante o pique das férias já seria um começo, salvaria vidas certamente.
Anônimo,
Realmente, a fiscalização é muito, muito precária.
Isso expõe todos a enormes riscos. E alimenta, como você disse, as estripulias dos "ases do volante".
Seu comentário vai para a ribalta, na manhã desta sexta.
Abs.
Grato pela remissão e referência.
Não há de quê, Frederico.
Mais do que um comentário, você disponibilizou em seu blog um testemunho.
Dos mais importantes.
Abs.
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