sábado, 4 de julho de 2020

No Leblon ou na Doca, todos inocentes. Eles ignoram tudo. Inclusive a morte.


Saí hoje pra correr, como tenho feito regularmente três vezes por semana.
Saí às 4h30.
É o horário em que me sinto menos inseguro, porque estou praticamente sozinho nas ruas. Para observar o distanciamento, procuro passar a quilômetros de distância, se vejo alguém vindo em sentido contrário ao meu.
Para quem não tem medo dessa doença, o distanciamento aceitável e recomendável é de 2 metros em média.
Para quem tem um pavor, como eu, o mínimo deve ser de 2 quilômetros. E ainda acho pouco.
Hoje de madrugada, vi cenas pavorosas.
Na Doca, em frente ao Líder, jovens bebendo em torno de um carro, com um som nas alturas. Insuportavelmente nas alturas.
Na Serzedelo, próximo à Praça Batista Campos, um homem bêbado, dirigindo um carro, com o som também em trocentos mil decibéis e ele, o motorista bêbado, berrando dentro do veículo que dirigia, supostamente cantando a música horrorosa que ouvia.
Na Braz de Aguiar, quatro jovens, sem máscaras, sem nada, igualmente bêbados, com latas de bebidas na mão.
Na Magalhães Barata, perto do Museu, um ajuntamento de cinco ou seis pessoas em volta do que parecia ser um carrinho de cachorro quente. Todos bêbados. Um homem, com voz arrastada, linguajar quase incompreensível, dizia assim: "Gordura? Que gordura que nada. Tudo tem gordura. Até remédio". Um sábio ensinamento. Não sei se ele se referia à cloroquina, mas, de qualquer forma, achei um sábido ensinamento. Nunca mais vou esquecer.
Isso tudo, repito, foram cenas que vi de madrugada, em horário que só estávamos na rua eu e muitos bêbados.
Vocês imaginem como deve ter sido a noite de sexta para sábado, em Belém, em horários anteriores ao que eu saí pra correr.
Leblon, no Rio: os inocentes de lá tudo ignoram,
inclusive a morte. Os daqui também.
Essas cenas me lembraram as do Leblon.
As cenas do Leblon me lembraram as que acabo de relatar.
Vejam o vídeo acima.
Como na fala de Chico (declamando um poema de Drummond), os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram.
Não os inocentes do Leblon.
Não os inocentes de Doca.
Não os inocentes que agora, em qualquer lugar, estão debochando desta pandemia, como o homem e a mulher cujas vozes são ouvidas no vídeo.
Os inocentes do Leblon, da Doca e de tudo quanto é lugar protagonizam, em verdade, um atentado à vida de todo mundo. Deles, inclusive.
Os inocentes do Leblon, da Doca e de tudo quanto é lugar fazem deboches tendo a morte ao lado deles.
Esses inocentes, que nada têm de inocentes, não acreditam que essa doença já matou mais de 60 mil pessoas no Brasil. Mais de 60 mil.
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, / mas a areia é quente, e há um óleo suave / que eles passam nas costas, e esquecem, diz Chico, citando os versos  de Drummond.
Pois é.
Os inocentes do Leblon, da Doca e de tudo quando é lugar, ignoram a tragédia.
Passam óleo nas costas e esquecem.
Bebem e esquecem
Vão para as ruas e esquecem
Esse, gente, é o nosso novo normal.
Que é igual, igualzinho, ao velho normal.
Que horror!

3 comentários:

Francisco Sidou disse...

Parabéns, Paulo, pelo acurado e habitual faro" de bom repórter e também pela excelente performance como corredor nas madrugadas de Belém. Pelos locais que citas, deves ter percorrido pelo menos uns 20 km, não ? Por acaso, estás te preparando para desbancar os favoritos (todos de fora) na próxima "Corrida do Círio" ? Caso não se realize, pois o próprio Círio está ameaçado, para gaudio dos patos e marrecos, quem sabe para a "São Silvestre" ou próxima "Maratona de Nova York ?

Anônimo disse...

Esses inocentes depois estão na frente do posto médico, chorando de "felicidade" ao encontrarem com a tão sonhada felicidade que buscam nesses momentos.

Enquanto isso, vamos nos proteger, observando de longe essa "alegria".

Poster disse...

Hahahaaha
Realmente, caro Sidou. Naquele dia, um sábado, fiz quase 20km, graças a Deus e a Nossa Senhora de Nazaré.
Mas ainda estou longe, amigo, de encarar uma maratona.
Penso nisso, sim. Mas, no momento, a prioridade é observar a cautela máxima contra essa doença.
Inclusive saindo de casa 4h30 pra correr.