quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Os filhos da Tijoca
Com atraso de mais de 30 anos, a poderosa Vale encomendou novo projeto sobre a viabilidade de outro porto para escoamento dos minérios extraídos da província mineral da Serra dos Carajás. Não por acaso, o local agora estudado volta a ser a Ponta da Tijoca, na costa paraense, próximo à Curuçá. Para os mais jovens , convém lembrar um pouco dessa história mal contada da época dos governos militares. Na década de 70, os pesquisadores Lima Paes e Ramiro Nazaré, da UFPa, realizaram estudos técnicos sobre as condições de navegabilidade da costa paraense, indicando a Tijoca como o local mais ade quado para construção de um novo porto, capaz de receber navios de grande porte e calado, para exportação dos minérios de ferro extraídos pela Vale na Serra dos Carajás.
Tais estudos foram remetidos ao Ministério das Minas e Energia, encarregado de aprovar o projeto. Vale lembrar que, na época, em pleno regime militar, estudos técnicos também sofriam interferência da "geopolítica" de segurança nacional, traçada pelo alto comando. O governo militar determinou então que o escoamento da produção mineral de Carajás deveria ser feito pelo então Porto de Itaqui, em São Luís, atendendo a "razões estratégicas".
O Pará foi escandalosamente "garfado", sob a omissão contemplativa e medrosa da classe política e dos "representantes" do Pará no Congresso Nacional. Os protestos ficaram restritos ao meio acadêmico, sem qualquer repercussão na imprensa, pois o assunto passou a ser tratado como de "segurança nacional" e, como tal, cens urado. Lima Paes e Ramiro Nazaré tentaram sensibilizar as classes empresariais , mostrando, em palestras, na Associação Comercial do Pará e Federação das Indústrias que a opção pela Tijoca era não só tecnicamente mais indicada, por permitir melhores condições de navegabilidade para grandes cargueiros - como também economicamente mais viável, pois teria redução em mais de 100 km da ferrovia então construída pelo governo federal. Em custos, a solução Tijoca também iria representar uma economia em torno de US$ 100 milhões.
Nada disso sensibilizou o governo federal. O destino já havia sido traçado, com régua e compasso, no gabinete do poderoso general Golbery, o estrategista-mor do regime militar, que preferiu ficar com os argumentos menos técnicos, embora mais convincentes, de seu amigo José S arney, que já gozava das intimidades do poder central e "ganhava todas" em favor do Maranhão. Vale dizer que o Pará tinha um ministro no governo militar, senador Jarbas Passarinho, que preferiu aceitar a versão golberiana/sarneysista, mandando às favas os escrúpulos e a defesa dos interesses do Pará. As falácias técnicas então invocadas visavam escamotear as verdadeiras razões do esbulho. Dizia-se, por exemplo, que os empresários japoneses optaram por Itaqui pelas melhores condições para receber os cargueiros de grande porte e diminuir o tempo de viagem para o Japão. Todas essas premissas haviam sido demolidas pelos dois pesquisadores paraenses. Aliás, a decisão não cabia aos japoneses, mas ao governo brasileiro. Trinta anos depois, a Vale agora reconhece que a Ponta da Tijoca reúne as condições ideais para exportação dos minérios de Carajás... Será que a história vai se repetir para revelar a grande farsa? E os danos materiais causados ao Pará ? Não cabe indenização?
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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br
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