Nós, seres humanos, temos limites, vivemos em sociedade. E, por definição de sociedade, cada um de nós coopera para a manutenção de uma mínima harmonia, sem a qual nossa espécie não sobreviveria. Não se trata de idealismo: vontades que poderiam nos colocar uns contra os outros são freadas por um estranho dispositivo: a empatia. Ela é a capacidade de nos colocarmos no lugar do próximo e nos sensibilizarmos com o sofrimento a que nossos atos possam levá-lo. Deixamos de prejudicar os outros, pois isso mesmo nos levaria a sofrer. E fazemos o bem, pois isso nos dá prazer.
Mas uma minoria da humanidade sobreviveu à evolução aleijada da empatia. São cidadãos doentes que, sem o menor pudor fazem aumentar a criminalidade, a prostituição infantil e juvenil, a pedofilia e o tráfico de drogas. Esses cidadãos doentes são em sua maioria psicopatas. Eles são algo diferente dos humanos, embora dotados da mesma racionalidade que nos define como espécie. São seres mutilados da emoção e, por isso, incapazes de sentir pelos outros. Isso os levou a assumir o papel representado na ecologia por parasitas e predadores.
A represália ao crime organizado tinha que ser imediata. No Rio de janeiro, a ação de ocupação do maior conjunto de favelas da cidade foi o maior teste já enfrentado pela política de pacificação no Rio. Os parasitas se associam a outros organismos criminosos para tirar os meios com que eles sobrevivem. Podem enfraquecer o hospedeiro, mas lhes interessa que ele continue vivo, para que sigam alimentando-se dele lentamente. Já predadores capturam e matam sua presa. Terminada a carcaça, partem para a seguinte.
A política inicial do governador fluminense, Sérgio Cabral, com tanques e fuzis a apontar para as favelas, onde moradores ficavam no centro do fogo cruzado e corriam mais risco de ser alvejados do que os integrantes de organizações criminosas. Cabral percebeu que existia uma fórmula mais eficiente de retomada do controle social e de territórios. Assim, implantou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que estão a causar, como era esperado, a migração de facções criminosas para localidades mais remotas, com prejuízos financeiros e poder de mando reduzido pela perda dos controles social e territorial.
A migração maior teria ocorrido para o Complexo do Alemão. Segundo Cabral, "os marginais não conseguem mais abrigo na Tabajaras, Babilônia, Cabritos e Pavão-Pavãozinho", isto é, nos territórios já conquistados pelo Estado.
Mas o calcanhar de Aquiles das UPPs está na falta de uma política penitenciária nacional adequada. Do interior dos presídios saíram ordens para a promoção de ataques voltados a difundir o medo na população e a desmoralizar as autoridades estaduais. No Rio, os soldados do Comando Vermelho detonam bombas, fazem arrastões e incendeiam automóveis. Trata-se de represálias das organizações criminosas inconformadas com o sucesso das UPPs e o desfalque nos seus lucros. A Polícia Federal logrou apreender dois bilhetes saídos da penitenciária de Catanduvas (PR) para ataques às UPPs.
No mais, espera-se que Cabral não tenha uma recaída pela militarização. As ações voltadas a atacar a economia movimentada pela criminalidade, a secar as fontes de receita e a recuperar a confiança da comunidade continuam sendo mais eficazes. Cumprir as leis é uma imposição pedagógica. Prudência, a guerra contra o tráfico está apenas começando.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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