sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cristãos de mundos paralelos


Nada obstante a sociedade ocidental tenha sofrido influência direta da Bíblia em sua formação, o cristianismo ainda é um artigo teórico para muitos. Muito longe dos fundamentos inscritos nos evangelhos, a postura de alguns cristãos, líderes e suas instituições demonstra que vivem em mundos paralelos, onde a fé que praticam não se comunica com os valores da própria Bíblia. Um terrível paradoxo.
Curiosamente, o Brasil é considerado um país cristão, com o maior rebanho católico do mundo e uma fatia significativa de protestantes. O maior segmento pentecostal também está aqui. Igrejas recentes classificadas como neopentecostais encontraram no País um solo fértil. A Assembleia de Deus brasileira tem proporções gigantescas, com dezenas de milhares de pastores ordenados. Exportamos pentecostes para o mundo. Mas, no cômputo geral, o Brasil é pobre de valores cristãos.
Pergunte a crença de qualquer pessoa envolvida em corrupção no Brasil, e ela lhe dirá que é cristã. Todos, indistintamente, têm um lugar de culto. Todos apontarão uma capela ou um templo evangélico onde oram e cantam aos domingos. Mas chegamos a um momento execrável. Um tempo de confusão, de inadmissíveis mundos paralelos.
Chegamos a um estágio de apodrecimento moral, onde a religião cristã parece não significar nada. Sendo pastor, prefiro não me identificar assim, pois hoje isso é sinônimo de descrença, desonestidade e esperteza. Foi minha experiência recente em um posto de gasolina. Na hora de pagar, cadê o dinheiro? Expliquei ao frentista que havia esquecido a pequena importância de 20 reais em casa, porém, em questão de minutos, voltaria para honrar o compromisso. Querendo lembrá-lo dos valores cristãos, puxei minha carteira de ministro evangélico. Infelizmente, a leitura que o jovem fez é que eu era provavelmente mais um dos milhares clérigos brasileiros roubadores da consciência e do bolso.
É bem claro que muitos cristãos vivem em mundos paralelos. Um é o mundo da religião, da Bíblia e do culto. Outro é a terra do materialismo, da facilitação e do individualismo. Caminhamos há séculos para as igrejas com a Bíblia na mão. Porém, ao mesmo tempo, grande parte desse rebanho segue também caminhos paralelos. São os caminhos da corrupção política, do fisiologismo, do imperialismo religioso, onde não cabe qualquer investigação ética ou moral.
Cristãos de vidas paralelas observam leis separadas. Uma é a lei do culto, da liturgia, do sermão rico em verdades para a vida alheia. Outra é a lei do mercado religioso, do tirar-proveito, da corrupção ativa e passiva. A lei do poder a qualquer custo. Isso não é cristianismo.
Charles Spurgeon, pastor inglês, perguntado certa vez se a religião devia se misturar com a política, afirmou que não há lugar mais apropriado. Disse que a religião devia ser como um candelabro diante dos homens públicos, de modo que jamais esqueçam dos valores da Bíblia. O ministro falava da influência que as virtudes cristãs devem exercer sobre a vida pública. Todavia, nesse mundo paralelo de que falamos, isso não acontece. Hoje, o cristianismo não atravessa a estrada para influenciar o que é corruptível. Hoje, líderes religiosos e instituições atravessam essa fronteira para arrancar alguma coisa de quem tem a chave do cofre. Isso, e apenas isso, é o que importa.
Não há rastros do Evangelho no Brasil. Vivemos em uma nação apodrecida politicamente. Somos o País do escândalo público, da pedofilia, da corrupção generalizada. Carecemos da ética bíblica. Da moral verdadeira, que ensina mudanças de vida com o próprio exemplo. E, infelizmente, não são as igrejas nem seus líderes que estão carregando esses valores para dentro da nação. Pelo contrário, em alguns casos, a maior e pior estatística está justamente dentro de muros com fachada de santuário.
Quem investiga a ética bíblica? Quem tem compromisso com os valores das Escrituras neste país que se ufana da fé cristã? Porventura, Cristo não haveria também de derrubar as mesas dos cambistas religiosos que se instalaram no Brasil? Não haveria de chamar a muitos de sepulcros caiados? Não haveria de afirmar que povos não-cristãos precederão aos brasileiros no Reino de Deus pelas suas virtudes que reputamos pagãs? Haveria, sim, e certamente Ele seria morto pelo Estado a pedido de religiosos que vivem mundos paralelos.
Nunca me esqueço da aula de um mestre do Direito. Ao nos falar sobre ética, ensinou à classe que uma coisa é a vida pessoal; outra, a profissional. Ensinou que, embora contra nossos princípios, havemos de caminhar pelos meandros de uma carreira jurídica reprovável. Lógico que isso não vale para quem vive apenas um mundo. Sobretudo se for o mundo iluminado do Evangelho.

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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)

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